MOURINHO DA CULTURA

Thursday, April 26, 2007

Robert Altman (1925-2006)


O rebelde perpétuo de Hollywood

O Oscar Honorário 2006 assentou-lhe que nem uma luva , isto porque nos último dois anos as nomeações têm sido marcadas por filmes polémicos, política e socialmente comprometidos, quase como que inspirados na sua obra. Foi um reconhecimento à carreira rebelde de um cineasta capaz de enfrentar os estúdios, desafiar os limites da narrativa convencional, ameaçar exilar-se se Bush Jr. fosse reeleito e, de passagem, criar um universo próprio e um olhar único e singular. Basta recordar dois dos filmes dos Oscar de 2006, Colisão ou Syriana, ou mesmo Babel deste ano para reparar que vão beber ao estilo das narrativas fragmentadas, do realizador de Kansas City.

Nasceu precisamente em Kansas City em 1925 no seio de uma família católica. Logo nos anos que seguem ao final da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se no ofício da realização de filmes industriais, para uma produtora local. No início dos anos 60, converte-se num dos mais prolíficos realizadores de televisão, destacando-se entre um grupo de novos cineastas iniciados no pequeno ecrã, que será conhecido como a Geração da TV, onde encontramos nomes como Arthur Penn, Sidney Lumet (Oscar Honorário 2005), Sam Peckinpah e Sydney Pollack. Altman por sua vez desenvolveu o seu estilo particular também num grande número de séries, entre as quais se destacam Bonanza e Alfred Hitchcock Apresenta, ganhando a reputação (que o acompanharia durante toda a sua carreira) de realizador facilmente irritável, rebelde e incapaz de filmar uma história sem nela integrar um comentário ácido ao tema que trata. Pilotou um B-24 na Segunda Guerra Mundial e bombardeou as convenções industriais e estéticas da velha Hollywood. Os filmes de Robert Altman são um reflexo fiel da sua personalidade: irreverentes, iconoclastas, independentes até à medula, arrogantes, impulsivos, excessivos. Realizador com uma carreira cheia de desencontros com a indústria, em que convivem êxitos como M.A.S.H. (1970), ainda hoje o seu maior sucesso de bilheteira e ao qual acedeu depois de 14 realizadores recusarem o projecto, ou fracassos retumbantes como Popeye (1980).

O Velho da Nova Hollywood
Embora a sua idade o integrasse na Geração da TV, a atitude e posicionamento de Altman fazem dele um dos membros mais ilustres, e ao mesmo tempo mais modernistas, da fornada de jovens realizadores que, entre 1968 e 1975, quiseram reinventar Hollywood. Gente como Mike Nichols, William Friedkin, Francis Ford Coppola, Peter Bogdanovich e Martin Scorsese, puseram a indústria de mãos ao alto. Altman arrancou este período com M.A.S.H., a sua quarta longa-metragem e a sua primeira nomeação aos Oscar como realizador, em que se cristalizam todas as constantes do seu estilo: a multiplicação e fragmentação das linhas dramáticas, a confiança cega na improvisação, o encadeamento de diálogos e a saturação de personagens, esta última uma autêntica marca de autor de Altman, e pela qual foi inicialmente criticado.
Não contente com reinventar os géneros industriais (o western em A Noite Fez-se para Amar, 1971 e o cinema negro com O Imenso Adeus, 1973), Altman partiu do seu estilo para criar um género próprio com Nashville (1975), o seu primeiro mosaico coral, com o qual fecha esta primeira fértil etapa e com o qual conquistou a segunda nomeação ao Oscar.

Segunda juventude
Do tudo ao nada, ou quase, Altman e a Nova Hollywood foram arrasados pela cultura do blockbuster, pelo cinema de multiplex e pipocas que surgiu após sucessos como Tubarão (1975) e Guerra das Estrelas (1977). O cineasta tentou integrar-se ao novo modelo com o seu filme mais estranho, Popeye, a sua excêntrica visão do que deveria ser um filme Disney. Porém, o seu monumental fracasso de bilheteira afastou-o da agenda dos estúdios durante a década de 80, anos em que continuou a trabalhar em longas-metragens muito mais pequenas e, claro, livres e independentes. Foi só em 1992 que a sua genialidade regressou em pleno com O Jogador, uma caústica sátira baseada no romance de Michael Tolkin sobre a indústria cinematográfica, uma oportunidade que Altman aproveita para satirizar os que o afastaram do negócio. Um negócio ao qual regressa, mas do qual se sente cada vez mais distante, já que, segundo ele, ir ao cinema assemelha-se agora a ir a um enorme parque de atracções. E isso é a morte do cinema. Mas, paradoxalmente, é durante estes anos, os 90, que a indústria reconhece as virtudes de Altman como cineasta. Mais três nomeações como realizador (além de O Jogador, ainda foi designado pelo majestoso Short Cuts – Os Americanos e pela pérola Gosford Park) em nove anos para um total de sete nomeações, duas como produtor, sem nenhuma estatueta como recompensa.

Negócios pendentes
Se há algo de que Altman não precisava era de recompensas. Por um lado porque ainda não se achava velho demais para lhe fazerem homenagens, já que continuava envolvido em polémicas. Em Berlim, o ano passado foi apresentado o seu último filme, A Prairie Home Companion recentemente estreado e lançado agora em DVD em Portugal. Trata-se de um olhar sobre a decadência dos famosos programas de rádio, realizados ao vivo e o mundo do espectáculo, com o qual teve de enfrentar as companhias de seguros que, pela sua idade e alguma incapacidade, o obrigaram a rodar no set (muito bem acompanhado, aliás por um dos seus seguidores), com um realizador de substituição, nada mais nada menos que Paul Thomas Anderson (Magnólia). Robert Altman, foi um cineasta rebelde e comprometido que fez luvas para uma indústria que vende sapatos ou mesmo que dizer que passou a vida a dar pérolas a porcos. Mesmo assim, é reconhecido como um dos cineastas norte-americanos mais importantes do último quarto do século XX.

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