GUIA PSIANALÍTICO DO CINEMA/SLAVO ZIZEK
Será certamente o documentário sensação e uma marca a não esquecer nesta edição do IndieLisboa 2007. Chama-se The Pervert's Guide to Cinema (de Sophie Fiennes, Grã- Bretanha / Aústria / Holanda, 2006), onde o ensaísta Slavoj Zizek (1949-…) constroi um guia pessoal pela história do cinema. Aplicando como base o pensamento lacaniano e freudiano, no inicio sobre os filmes de Alfred Hitchcock e David Lynch -— dos quais explica praticamente quase toda a obra — Zizek torna os dois cineastas protagonistas de uma história que até parece comum e de proximidade: o cinema como forma artística mais perversa de todas, isto é não nos dá o que deseja-mos, mas diz-nos como desejá-lo. Distantes na história do cinema os dois cineastas tornam-se assim nos protagonistas principais de um percurso que aborda ainda as obras dalguma forma psicológicas como as de Andrey Tarkovsky, Charlie Chaplin, Ingmar Bergman, Michael Haneke, Francis Ford Coppola e os Irmão Marx, entre outros.
Slavoj Zizek é um curioso filósofo, psicanalista, e investigador esloveno, nascido em 1949, que está efectivamente na moda, aliás como Humberto Eco, esteve na década de 80, pois é frequente encontrar também ensaios seus em jornais e revistas de referência. Actualmente Zizek vive entre Buenos Aires, Ljubjana e Nova Iorque, lecciona em universidades norte-americanas e europeias. É vivo, especulativo, provocador, sagaz, e está quase sempre em trânsito. É omnipresente nos grandes centros de discussão e move-se com grande facilidade tanto nos meios académicos, como mediáticos, apesar do seu inglês expressivo macarrónico e ‘sioso’. Se um grande atractivo da sua vida e dos seus livros, se baseia nas suas opiniões sobre os mais diversos temas da actualidade, pela sua descontração, capacidade de comunicação e o prazer de entrar nos momentos de intimidade e quotidiano, em The Pervert's Guide to Cinema o conteúdo é complementado pelo valor das formas e das ideias que cruzam o cinema e a psicánalise. Por isso é um grande guia e um lição de cinema para todos. O documentário é realizado por Sophie Fiennes (irmã de Ralph e Joseph) -— a música incidental está a cargo de Brian Eno — dura quase três horas. Está estruturada em três partes: a primeira, está dedicada a Os Pássaros e a Vertigo- A Mulher Que Viveu Duas Vezes de Alfred Hitchcock, e é sobre a diferença entre a realidade e os desejos; a segunda, é sobre o libido e a terceira é sobre a eficiência das aparências, centrada pprincipalmente na obra de Tarkovsky e Bergman. The Pervert’s Guide to Cinema, prende-nos a atenção pela simplicidade das explicações, embora Slavoj não seja propriamente uma pessoa fácil de seguir no discurso, exactamente pela energia e gestualidade que pôe nos seus diálogos, mesmo apesar da clareza das suas ideias: a propósito de Mullholland Drive, de Lynch fala em frente da cortina vermelha e do microfone de época, onde “cantava” a gloriosa Rebekah del Rio; refere-se ainda O Vigilante, de Francis Ford Copolla e fá-lo no hotel do assassínio ou sobre O Exorcista, no mesmo quarto onde vomita Regan. Sobre Psico, de Hitchcock, vemo-lo sentado na cave da casa de Norman Bates explicando que cada um dos três niveis da casa representam as distintas partes do inconsciente freudiano (id, ego e super ego). E continua mostrando um fragmento de O Grandes Aldrabões, com os Irmãos Marx: é habitual encontrármos referências à psicoanálise corporizadas nas relacões entre pessoas. Por exemplo, os três irmão Marx: Groucho, Chico e Harpo. É claro que Groucho, é o mais popular, pela sua hiperactividade nervosa, é o super ego. Chico, é sempre o tipo racional, egoista, calculista, e é o ego. E o mais estranho dos três, Harpo, o mudo, que não fala -— Freud dizia que os impulsos são silenciosos — por isso é o id. O id em toda a sua ambiguidade radical. Principalmente, o que é estranho na personagem Harpo é que ele é infantilmente inocente, só persegue o prazer, brinca com as crianças e às vezes parece possuído por uma espécie de demónio primordial, pois torna-se agressivo. É esta combinação única entre corrupção total e a inocência que representa o id. Há ainda uma cena marcante no documentário que está de alguma forma ainda relacionado com um dos seus livros: Bem-Vindo ao Deserto do Real e com o filme Matrix dos Irmãos Wachowski. Num excerto de Matrix, vê-se Morfeo a oferecer duas pílulas a um Neo atónito enquanto, o primeiro lhe explica o significado de cada uma. Sentado no mesmo cadeirão onde no excerto Neo mirava atónito - e, curiosamente, com o mesmo cenário em fundo – é Zizek que encara Morfeo dizendo-lhe e a nós, espectadores, o significado das duas pílulas: A escolha entre as duas pílulas, a azul e a vermelha não é realmente uma escolha entre a ilusão e a realidade. Partindo do princípio de que Matrix é uma máquina de ficcões, mas essas são ficcões que já estruturam a nossa realidade: se nos tiram a nossa realidade essas ficcões simbólicas que a regulam, também perderemos a realidade em si mesma. No caso de existir uma terceira pastilha, então que significa essa terceira pílula. Definitivamente não é de todo um tipo de pílula trascendental que permite uma 'falsa experiência religiosa fast food', mas antes uma pastilha que permite perceber não a realidade por detrás da ilusão mas antes a realidade dentro da própria ilusão.
O pensamento de Zizek , ultrapassa claramente a filosofia, a psicanálise, a sociologia e a política. Foi curiosamente candidato à presidência da Eslovénia nas eleiçõe de 1990. É um homem de posições claras e não tolera os relativismos pós-modernos. O seu projecto teórico como diz no documentário, faz coincidir a pulsão de morte freudiana e o idealismo alemão. Como todos os grandes filosofos considera-se um discípulo, principalmente de Lacan e é um revitalizador da obra de Freud que não se resume apenas como ele proprio diz à sexualidade.
Lista dos títulos (em inglês tirada do site) dos filmes abordados:
Possessed (1934)
Clarence Brown
The Matrix (1999)
Andy and Larry Wachowski
The Birds (1963)
Alfred Hitchcock
Psycho (1960)
Alfred Hitchcock
Duck Soup(1933)
Leo Mc Carey
Monkey Business(1931)
Norman Z McCleod
The Exorcist(1973)
William Friedkin
Testament of Dr Mabuse(1933)
Fritz Lang
Alien(1979)
Ridley Scott
The Great Dictator(1940)
Charles Chaplin
Mulholland Drive(2002)
David Lynch
Alice in Wonderland(1951)
Clyde Geronimi, Wilfred Jackson and Hamilton Luske
The Red Shoes(1948)
Michael Powell
Dr. Strangelove(1963)
Stanley Kubrick
Fight Club(1999)
David Fincher
Dead of Night(1945)
Alberto Cavalcanti
The Conversation(1974)
Francis Ford Coppola
Blue Velvet(1986)
David Lynch
Vertigo(1958)
Alfred Hitchcock
Psycho Theatrical Trailer(1960)
Solaris(1972)
Andrei Tarkovsky
The Piano Teacher(2001)
Michael Haneke
Wild at Heart(1990)
David Lynch
Lost Highway(1996)
David Lynch
Dune(1984)
David Lynch
Persona(1966)
Ingmar Bergman
Eyes Wide Shut(1999)
Stanley Kubrick
Blue(1993)
Krysztof Kieslowski
In the Cut(2003)
Jane Campion
The Wizard of Oz(1939)
Victor Fleming
Frankenstein(1931)
James Whale
10 Commandments(1956)
Cecil B. DeMille
Dogville(2003)
Lars Von Trier
Alien Resurrection(1997)
Jean-Pierre Jeunet
To Catch a Thief(1954)
Alfred Hitchcock
Saboteur(1942)
Alfred Hitchcock
Rear Window(1954)
Alfred Hitchcock
North by Northwest(1959)
Alfred Hitchcock
Stalker(1979)
Andrei Tarkovsky
Kubanskie Kasaki(1949)
Ivan Pyryev
Ivan the Terrible (Part Two)(1945)
Sergei Eisenstein
Pluto's Judgment Day(1935)
David Hand
City Lights(1931)
Charles Chaplin
Lista das obras de Slavoj Zizek, editadas em Portugal, pela Relágio de Água:
- Bem-Vindo ao Deserto do Real
- A Marioneta e o Anão – O Cristianismo entre Perversão e Subversão
- A Subjectividade por Vir – Ensaios Críticos sobre a Voz Obscena
- Elogio da Tolerância
- As Metástases do Gozo – Seis Ensaios sobre a Mulher e a Causalidade
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