TERRENCE MALICK: UMA LENDA VIVA
O nome de Malick não é de forma nenhuma familiar, a não ser para os ‘cinéfilos pesados’, e para todos aqueles que fazem quase um culto a este realizador irreprenssível e controverso, que deixou já marcas na história do cinema. Vale pois a pena, fixar este nome: Terrence Malick! E de facto, não é por acaso que Terrence Malick é o único realizador da actualidade que João Bénard da Costa, não hesitou em programar dois filmes, um deles, O Novo Mundo (2006), — o outro A Barreira Invisível (1998) — que fecha, bem a propósito, o fabuloso ciclo Como O Cinema Era Belo. A fama de Malick, é de tal maneira indescrítivel, que as maiores estrelas de Hollywood, não deixam de filmar com ele, mesmo pequenos papéis e com um cachet muito abaixo do habitual. Por exemplo, George Clooney e John Travolta, que fizeram pequenas participações em A Barreira Invisível e Adrian Brody, que vê o seu personagem simplesmente ‘desaparecer’ na montagem final, confessam ter sido uma honra estar no casting do filme, que é para muitos o melhor filme ‘sobre a guerra’, de sempre. Para os actores mais consagrados, a sua participação, significa ter o prazer de trabalhar com este realizador sexagenário, que curiosamente só dirigiu quatro filmes em toda a sua carreira e que normalmente tem muitos problemas com os estúdios, pois demora muito mais que o tempo útil para acabar uma obra que nos deixa sempre ‘esmagados’ e a pensar.
UM ‘BICHO-DO-MATO’.
Além disso, Malick, é mesmo, no verdadeiro sentido da palavra, ‘um bicho-do-mato’, já que se recusa a dar entrevistas, odeia estar à frente das câmaras, ser fotografado, e tem uma especial devoção pela natureza no seu explendor. Há pois, pormenores na sua carreira (e na vida privada) que o tornaram num mito, e um mistério mal resolvido no cinema contemporâneo norte-americano, e ainda bem já que os seus filmes não são para todos e normalmente não resultam muito nas tabelas de bilheteira oficiais. Quando o seu penúltimo filme, A Barreira Invisível obteve seis nomeações para os Oscar 1999, — inclusive a de Melhor Filme e Melhor Realizador — , Malick não esteve presente na cerimónia da Academia. No fundo, em ecrã apareceu uma velha fotografia de Malick, datada de 1978, quando o realizador dirigia Os Dias do Paraíso, — Prémio de Realização no Festival de Cannes — que tinha curiosamente três jovens protagonistas Richard Gere, Sam Shepard e Broke Adams, que cruzavam o amor nos campos de trigo do interior da América. Na altura da apresentação dos produtores candidatos a Melhor Filme, a situação foi ainda mais caricata, quando para identificar o realizador foi mostrada uma fotografia das habituais cadeiras de lona, onde nas costas tinha simplesmente escrito: Malick.
UMA PERSONALIDADE MISTÉRIO
Terrence Malick nasceu em Waco no Texas, estudou filosofia em Harvard, foi repórter das revistas Life, New Yorker, e Newsweek e professor de Filosofia no M.I.T., antes de se tornar cineasta e produtor independente. As suas influências parecem pois estar relacionadas com a filosofia, primeiro com Wittgenstein, com os pintores realistas Hopper e Wyth, os documentários de Flaherty e o expressionismo de Murnau. O seu primeiro filme Badlands-Noivos Sangrentos, (1973), foi uma das estreias mais promissoras da história do cinema. Trata-se de um road movie ambientado nos anos 50, contando a história de um jovem casal em fuga, após um crime. Tinha como protagonistas Kit (Martin Sheen) e Holly (Sissy Spacek), e o realizador parece fugir à tentativa corrente do cinema de dar uma explicação linear e uma condenação imediata para o comportamento violento dos jovens fugitivos, e a sua ausência de valores morais. O filme concentra-se mais na sua solidão e alienação num mundo de valores que parecem querer contrariar. Em A Barreira Invisível, o seu terceiro filme, rodado em 1998, tem o grande mérito de abordar um tema da II Guerra Mundial, a batalha de Guadalcanal e dos soldados norte-americanos que nela participaram, através de um relato pessoal de um deles, numa perspectiva bastante mais interessante, do que os habituais filmes do género. Utililizando a voz-off, uma das caracteristicas dos filmes de Malick, vai relatadando a sangrenta batalha, e as reflexões internas dos personagens, com uma interacção visual entre soldados, nativos e um impressionante cenário natural, valorizadas por uma extraordinária direcção de fotografia. Mais uma vez Malick afasta-se do relato históricamente fiel, para se centrar num conceito filosófico e em Heidegger, outro dos seus filósofos favoritos e que defende a ideia de uma realidade moldada através da luta e do conflito.
UM FILÓSOFO DA IMAGEM
As personagens de A Barreira Invisível debatem-se com questões essenciais como ‘ de onde vem esta guerra? Donde vêm toda esta violência?’, não como uma justificação para os seus actos, mas antes por uma necessidade intríseca de todo o ser humano de se questionar, sobre algo e sobre a realidade. Com o mítico realizador estiveram mais uma vez um grupo actores de luxo, alguns deles fazendo quase de figurantes: Sean Penn, Nick Nolte, James Caviezel, John Cusack, Woody Harrelson, John C. Reilly, Ben Chaplin, entre outros.
Se Stanley Kubrick se tornou uma lenda pelo seu rigor e minúcia na suas opções estéticas e linguagem, Malick é um génio no improviso, já que é capaz de escolher um local de rodagem, um cenário, mudar um argumento no momento ou mesmo eliminar personagens na montagem final — como aconteceu em A Barreira Invisível —, guiado por uma intuição e um instinto para além do normal, que parece mesmo agradar aos grandes actores, pouco dados a alterações de última hora. Uma visão idealista da natureza e o choque de civilizações é o tema base do seu último filme que fecha com chave de ouro o ciclo Como o Cinema Era Belo, embora os filmes de Malick continuem e continuarão a ser certamente alguns dos mais belos da história do cinema.
A NATUREZA NO SEU EXPLENDOR
O Novo Mundo é um regresso ao tema que inspirou, Pocahontas (1995) o filme da Disney, que resume as aventuras dos primeiros colonos americanos e a sua relação com os indígenas, circunscrita à história de amor entre o capitão John Smith (Colin Farrel) e a jovem india (Qórianka Kilcher). O ‘filme operático’ foi rodado em formato 65 mm — não se utilizava desde Hamlet (1996), de Kenneth Branagh — o que significa que é uma obra com uma deslumbrante resolução nas imagens, planos-sequência espectaculares com uma iluminação natural e sem a utilização de luz artificial, demonstando mais uma vez uma apetência e uma devoção do realizador pela natureza vista como uma espécie de paraíso perdido que o homem incompreensivelmente vai alterarando a seu belo prazer e sem respeito pela sua essência. As figuras femininas dos seus filmes como que representam a pureza dessa natureza-mãe e por isso são sempre as mais castigadas por um final quase sempre trágico e demolidor. Apesar de toda a aparente improvisação, a linguagem cinematográfica e cada plano dos filmes de Malick representam quase um verdadeiro ensaio de filosofia das imagens. Resumindo, Terrence Malick é um realizador cujos os filmes podem ser caracterizados como constantes reavaliações da percepção corrente de conceitos cinematográficos como a imagem, o som, as personagens e a narrativa, suportados sempre por um olhar único onde a natureza desempenha um papel fundamental e crucial, iludindo qualquer tentativa de interpretação imediata, de uma obra visualmente e filosoficamente rica, que quase se assemelha ao 'espectáculo total'.
José Vieira Mendes
1 Comments:
a obra de Mallick é sublime!
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