MOURINHO DA CULTURA

Sunday, July 20, 2008

A HORA DA TURQUIA


Duas notícias recentes marcam a actualidade relativamente à Turquia e à sua relação com a Europa e o mundo. Uma refere-se a Fethullah Güllen, como um dos intelectuais mais influentes no mundo, o homem que defende a conciliação do Islão com a democracia. A outra, paradoxalmente, sobre a emenda constitucional, que levantaria a proibição das mulheres turcas de usar o véu nas universidades, que a justiça anulou. As grandes resistências (internas e externas) a uma adesão plena da Turquia à UE, a instabilidade político-religiosa, as questões dos direitos humanos e das mulheres, as insuficiências democráticas, não têm impedido este país de viver uma vibrante renovação cultural e uma explosão ao nível artístico. Um impulso de mudança, reflexo de uma amálgama de sinergias que despontou naturalmente, criando uma identidade única e enraizada na sua própria complexidade. Uma nova realidade que revela ser inspiradora e apelativa a uma outra aproximação entre várias histórias, culturas e povos que, apesar de diferentes, se inspiram na mesma energia, a emergência de uma criatividade contemporânea e uma outra forma de sentir o futuro.
Orhan Pamuk, Prémio Nobel da Literatura 2006, através do seu maravilhoso livro, A Cidadela Branca, revela-nos um romance iniciático e encantatório da sua obra, uma marca da cultura turca e da procura da identidade e de uma nostalgia perdida do Ocidente. Istambul – Memórias de uma Cidade, onde nasceu e vive Pamuk, transformou-se numa inspirada autobiografia e num guia de viagem, que é uma obra-prima da literatura contemporânea, finalmente editada em Portugal. Contudo, além de Pamuk, e conhecidas as suas posições políticas de intelectual incómodo, tanto para os islamitas radicais como para os fervorosos nacionalistas, a Turquia tem revelado muito dinamismo do ponto de vista cultural. O realizador germano-turco Fatih Akim, no documentário Crossing the Bridge - The Sound of Istanbul (2006), despertou-nos para a magia dos sons de fusão da música turca e alternativa. Como aliás os seus filmes, A Noiva Turca ou Do Outro Lado, histórias passadas entre a Alemanha e a Turquia. O cineasta Nuri Blige Ceylan (Uzak, Climas, Three Monkeys) é uma grande referência do cinema de autor, mais ainda agora que se afirma com uma obra fotográfica de uma beleza surpreendente. Os Poemas de Amor, de Rumi, e os Poemas do Exílio e da Prisão, de Nâzim Hikmet, são clássicos da literatura mundial e o primeiro a principal referência do sofismo (a doutrina pacifista que influencia Güllen), ambos livros de cabeceira para quem gosta de adormecer ao som das palavras da vida. Existe na Turquia uma grande apetência para as experiências ao nível das artes visuais e performativas, em paticular do teatro e da dança, experiências essa que ainda não chegaram a Portugal com a relevância merecida, mas que vale a pena conhecer, com excepção das surpreendentes obras coreográficas de Aydin Teker e Mustafa Kaplan, que tivemos a oportunidade de ver no Alkantara Festival. Depois de todas estas referências às quais a nossa memória nos agarra, há ainda o filme com personagens reais, Tintin et Le Mystère de la Toison d’Or (1961), rodado em Istambul, uma cidade onde temos a sensação de encontrar as origens, as raízes espirituais e culturais da Europa de hoje.

José Vieira Mendes, jornalista, Julho 2008

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