MOURINHO DA CULTURA

Saturday, February 16, 2008

O CINEASTA DO ‘SISTEMA’




Apesar da minha admiração como cinéfilo (e crítico) pela cinematografia do António-Pedro Vasconcelos (APV) e a minha estima pessoal, que nos tem levado a trocar uns e-mails e inclusive a combinarmos um ‘petisco’ para breve, para falarmos de cinema e do ‘nosso’ Benfica, não posso deixar passar em claro algumas considerações que o APV fez na sua última crónica Das Duas, Uma de 02/02/08, (aliás recorrentes de alguns comentários menos agradáveis que aqui já teceu e no Expresso da Meia-Noite da SIC) sobre a crítica cinematográfica e o seu envolvimento no sistema de Apoio à Criação Cinematográfica.
Já há dias respondi no Público ao Dr. Rui Moreira, ilustre figura do Porto e do mundo do futebol, que se permitiu em duas crónicas dar também uns ‘bitaites’, sobre o sistema de apoio ao cinema português e à crítica cinematográfica, chamando-a de ‘batoteiros’, diria, ‘emprenhando pelos ouvidos’, do seu companheiro do Trio de Ataque.
Quanto ao APV, sinceramente não entendo porque critica tanto o ‘sistema’ (um termo que advém certamente do vocabulário futebolístico, ‘a culpa é do sistema’…) já que fez todos os seus filmes (e são muitos para a maioria dos realizadores portugueses), inclusive Call Girl, ao abrigo do sistema de Apoio de à Criação Cinematográfica, que o Estado criou há mais de três décadas, através dos vários Institutos de Cinema e a que APV chama de um ‘parasitismo tenaz’;
APV refere ainda, de uma forma um pouco grosseira, que esta política se alicerçou ‘num sistema de júris, onde têm assento críticos de cinema e criaturas afins’. Além da Lei do Cinema e dos critérios de avaliação do Regulamento de Apoio à Actividade Cinematográfica, não darem qualquer hipótese ao favorecimento de um projecto ou de um filme específico, os júris têm sido constituídos há vários anos por personalidades de renome do meio cultural e do audiovisual inclusive por realizadores, e não exclusivamente por críticos cinematográficos. Tomando como exemplo a Bolsa de Júris de 2007, cujos nomes e CV estão no sitio do ICA (www.ica-ip.pt), e não vou os citar como o fez APV precedentemente numa das suas crónicas, onde figurava também o meu nome, estão: Professores Universitários e Ensaístas (8) da área do cinema e audiovisual, Realizadores (2), Directores e Organizadores de Festivais (3), Gestor de Artes (1) e cinco críticos, onde pessoalmente me incluo, além do historiador do cinema, José Matos Cruz, que já há muito não exerce a actividade, e a Teresa Nicolau e o João Garção Borges, os dois responsáveis pelo programa Bastidores, que são mais ‘divulgadores’ e não exercem crítica directamente, em representação da RTP.
Sobre a possibilidade ou não de uma indústria cinematográfica a discussão seria longa e o espaço curto para desenvolver o tema como o faz APV tão levianamente, pois Portugal pode e deve efectivamente manter uma actividade criativa e rentável no audiovisual, mas para já é difícil pensar numa verdadeira indústria, quanto mais não seja por uma questão de mercado. De qualquer modo, Manoel de Oliveira não sendo ‘rentável’ é ainda um dos nossos patrimónios. Esta é uma discussão que podemos ter noutras circunstâncias!
Uma coisa é certa, se efectivamente este ‘ciclo vicioso’ e este sistema vigoram desde o 25 de Abril, o APV para além de ter feito uma longa carreira de cineasta dentro do tal ‘sistema’ que criou um ‘parasitismo tenaz’, foi na década de 90, uma das pessoas mais poderosas do audiovisual em Portugal, ao desempenhar cargos públicos como Presidente da Comissão do Livro Verde para o Audiovisual da CE, presidente do Secretariado Nacional para o Audiovisual, Presidente da Associação Scale do Programa Media da CE, e ao que conste, não deixou grande herança ou medidas para modificar todo este sistema, embora se lhe reconheça sempre uma grande intervenção como Presidente da ARCA-Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisual (uma das duas associações que passam a vida a digladiar-se e a discutir o ‘sexo dos anjos’, ou seja, se o cinema português deve ser arte ou indústria). Além de, em meu entender (e não de toda a crítica), APV tem uma obra cinematográfica de referência que, infelizmente, nunca circulou sequer muito, será talvez preciso encontrar a causa, pela ‘miríade de pequenos festivais espalhados pelo mundo’.

José Vieira Mendes
Jornalista e crítico de cinema
Membro da Bolsa de Jurados do ICA 2007

In Sol de 09/02/08

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