O HOMEM QUE DECORAVA OS LIVROS QUE AMAVA…
“Enquanto esperávamos a abordagem dos navios turcos, desci ao meu camarote. Pus as coisa em ordem, como se esperasse a visita de uns amigos, e não de inimigos que poderiam transtornar a minha existência. A seguir, abri o meu baú para tirar os livros, que percorri com um olhar distraído. Enquanto folheava uma obra que comprara a preço de ouro em Florença, vieram-me as lágrimas aos olhos. Ouvia o bramidos e as desenfreadas idas e vindas por cima da minha cabeça; pensava repetidamente que ia em breve ser obrigado a abandonar o livro que tinha na mão e, contudo, recusava a ideia; queria concentrar os pensamentos no que estava escrito naquelas páginas. Pensar que todo o meu passado — um passado que eu não queria perder — se encontrava nas reflexões, nas frases, nas equações que o compunham. Ao ler a meia voz frases ao acaso, como se murmurasse orações, queria gravar na memória o livro inteiro, para que quando eles chegassem eu não pensasse neles, nem nas injúrias que me iam infligir; não queria lembrar-me de mais nada senão das cores do meu passado, conforme nos lembramos toda a vida das palavras que nos tornaram caras num livro que decorámos de tanto o amar”.
In A Cidadela Branca, de Orhan Pamuk
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