MEDIÇÃO DE AUDIÊNCIAS EM TELEVISÃO
RESUMO: Na indústria televisiva os conteúdos são, pode-se dizer, o coração de uma emissora de televisão, a publicidade funciona como se fossem os músculos e o conhecimento do comportamento da audiência é o sistema nervoso central que permite o funcionamento de todo o corpo da estação. Este conhecimento dos gostos da audiência, fundamental para o programador, é concebido a partir dos resultados obtidos através de uma amostra de espectadores cuja composição reproduz tão fielmente quanto possível as características sociais e demográficas do conjunto do universo. Qualquer amostra de audiência tem em conta variáveis tão importantes como a idade, sexo, habitat, classe social, dimensão do lar, e outras tão significativas como o número de crianças e televisores utilizados numa família. Em todos esses lares que os técnicos consideram exemplares para proporcionar dados fiáveis do comportamento do conjunto da audiência, é colocado um aparelho ligado ao televisor que recolhe, as escolhas e as mudanças de canal das pessoas que em cada momento estão à frente do televisor: o audímetro. As informações são aí armazenadas e depois enviadas a um computador central por via telefónica durante a madrugada, para serem tratados e estarem disponíveis aos programadores logo pela manhã. Nas estimativas de audiência os dados mais utilizados pelos especialistas são o rating e a quota-share de uma estação ou programa, já que o consumo televisivo não se produz por igual nas diversas variáveis socio-demográficas. É afinal, com estas informações que se podem reconstruir os perfis de público de uma estação e dos telespectadores na generalidade, instrumentos que são fundamentais para o programador definir a sua grelha e para produtor de televisão, desenvolver a sua criatividade.
A HISTÓRIA DOS ESTUDOS DE AUDIÊNCIA
Aparentemente a audiência televisiva é um acto individual, de escolha limitada entre um leque de ofertas possíveis em cada horário determinado e em função do tempo disponível de cada espectador. Mas paradoxalmente trata-se também de um acto familiar, determinado pela hierarquia, e pelas relações de força desiguais no seio da família nuclear: o pai vê o futebol, enquanto mãe prefere as telenovelas, e as crianças por outro lado vêm os desenhos animados, por exemplo. No entanto, as evoluções sociais das últimas décadas, como o crescimento do número de aparelhos individuais espalhados pelos lares e a relativa autonomia das gerações adolescentes (e das crianças) venham contradizer esta ideia em termos gerais. Segundo Pierre Bourdieu, a audiência televisiva é um acto social, influenciado fortemente como qualquer outro consumo cultural pelos capitais simbólicos disponíveis em cada grupo social, pelo habitus e o efeito distinção, além das modas e, naturalmente, pela inovação tecnológica. E por isso pode, embora vivido como acto individual, ser medido socialmente mediante técnicas de sondagens que analizam o comportamento do público e as suas diferentes categorias socio-demográficas a partir da observação e uma amostra representativa do universo total.
A história dos estudos de audiência de televisão, é essencialmente uma história económica, mesmo no que diz respeito ao serviço público de televisão. Este desenvolvimento permanente, técnico e tecnológico deveu-se a uma rápida evolução temporal dos instrumentos e estudos da audiência televisiva, resultado da inevitável mercantilização da televisão. Tratou-se de uma resposta à necessidade imperiosa do mercado e da televisão publicitária de quantificar os seus resultados e estabelecer por consequência um mecanismo estável de fixação de preços de espaços para anúncios. Foi esse no fundo o motor fundamental que pode explicar que a análise das audiências, sobretudo quantitativa, constitua sem dúvida um dos temas mais investigado da história da comunicação. Depois de várias décadas de estudos as análises qualitativas e as teorias explicativas são ainda insuficientes para explicar o comportamento das audiências.
Num mercado tão ambíguo, arriscado e volátil como o da publicidade televisiva, a genealogia dos estudos quantitativos de audiência perdem-se nos confins da noite dos antecedentes rádiofonicos e das primeiras emissoras norte-americanas do século passado: em 1929 a NBC, utilizou pela primeira vez uma sondagem telefónica para quantificar as suas audiências radiofónicas, ao mesmo tempo que a inovadora CBS, fê-lo para agradar já pensando nos seus anunciantes. Obviamente sondagens idênticas foram aplicados logo nos primórdios da televisão. Desde 1959 que se começaram a aplicar técnicas de audimetria automática (passivas), desenvolvidos pelo conhecido Instituto Nielsen. A multiplicação das estações emissoras e das estações por cabo conduziram em 1977 à aplicação do people meter, um audímetro activo, que incluia determinados botões para cada um dos membros da família, e que se instalariam massivamente a partir de 1988, em lares devidamente selecionados.
Este passo da sondagem tradicional ao automático passivo, até ao audímetro activo foi bastante significativo para a complexidade e refinamento das exigências do mercado. Um mercado que tentava já diferenciar os preços em função da ‘qualidade’ das audiências e não apenas assente no factor quantidade. A história dos estudos de audiência nos EUA é também rica em ensinamentos sobre a evolução das técnicas de recolha de dados: em 1950 o Instituto Nielsen demorava cerca de seis semanas a analisar os dados e a dar resultados, tempo este que foi sendo reduzido pouco a pouco, primeiro para 16 dias em 1961, sete em 1973, e a apenas uma noite, já nos anos 80. Essa luta contra o tempo, que transcendia já o impacto das taxas de audiência sobre a programação, deveria combinar-se também com encurtamento das unidades de tempo mínimas para detectar o estado das audiências e as suas variações. Além disso, serviam ainda para medir as audiências das múltiplas emissoras locais norte-americanas, que realizavam elas próprias trimestralmente, inquéritos muito abrangentes (sweeps), cujos resultados eram básicos para estabelecer os padrões de uma parte importante do mercado.
O DESENVOLVIMENTO DOS ESTUDOS
Como consequência paralela desta evolução constante, o mercado televisivo foi criando toda uma série de conceitos e indicadores básicos de medição: em particular as tais noções de rating (ou penetração, consiste na percentagem de audiêcia pela população total) e de share (ou taxa de mercado que consiste na percentagem de audiência, sobre a audiência efectiva num dado momento), mas também outros mecanismos mais refinados e adaptados às transformações da concorrência, da audiência e do mercado publicitário: OTS (Oportunity to see, ou o número de vezes que, em média, um membro da audiência útil pode sofrer um impacto de uma mensagem), CPM (custos por mil impactos) e os GPR (Gross Rating Point, o quociente entre a taxa de cobertura pela frequência média de impactos úteis) e por último o conceito de custo por GPR que corresponde ao quociente resulante da divisão do montante de investimento realizado pelo número de GPR obtido.
A aplicação intensiva destes conceitos às unidades mínimas de tempo de cada programa, num balanço realizado diáriamente, permitia para além de um guia permanente para o programador, ainda uma análise em relação a cada género ou produto, e à minúcia estudar a confrontação sistemática de cada personagem ou apresentador, de cada acção ou diálogo, etc., de acordo com as evoluções contínuas da audiência.
A rápida expansão do equipamento doméstico em gravadores e a utilização do comando à distância, assim como o desenvolvimento e expansão dos receptores de televisão, modificou profundamente os hábitos dos consumidores num meio altamente competitivo, dando lugar em 1982 a outros estudos sistemáticos de fenómenos de deslocação de audiências de canal para canal, a que chamamos, tecnicamente, zapping.
Ao contrário das televisões norte-americanas, as televisões públicas europeias não precisavam de início de indicadores quantitativos precisos e rápidos já que emitiram durante décadas num mercado monopolista. As sondagens por inquérito, e por telefone foram-se aplicando tranquilamente ao longo das décadas de 60 e 70, muitas vezes combinados com os chamados painéis de telespectadores (com uma qualificação de espectadores algo limitada). Tratava-se no fundo de instrumentos secundários, úteis aos gestores das estações públicas para justificarem a sua noção mais ou menos ambivalente de serviço público de televisão. Com a chegada das televisões privadas na década de 80 e 90, ou talvez antes mesmo com o simples anúncio da chegada da concorrência privada, também as televisões públicas europeias na generalidade acabaram por aderir aos estudos de audimetria.
A DITADURA DAS AUDIÊNCIAS
Em todos os mercados onde funciona a ditadura das audiências a existência ocasional de vários audimetrias, revela também curiosamente uma profunda crise em que os principais agentes (estações emissoras, anunciantes, agências, etc.) parecem não ser capazes de manter um acordo generalizado face à tensão lógica e à inevitável dispersão das audiências pelos vários canais. A derivação dos sistemas de medição que faziam a análise individual até aos que analisam categorias socio-demográficas são efectivamente cada vez mais precisas e sofisticadas e, parecem abonar a ideia de que a televisão publicitária orienta-se fundamentalmente na procura dos objectivos dos consumidores cada vez mais especializados. No entanto, os analistas estão pelo menos de acordo em relação à dificuldade cada vez maior de analisar na televisão aberta, um meio de massas por excelência, categorias e públicos-alvo muito específicos. Mais ainda, numa altura em que a maioria das análises qualitativas da audiência televisiva parecem indicar como que uma polarização genérica entre consumidores pesados e consumidores leves de televisão, o que daria aos primeiros uma importância maioritária e primordial na orientação das sondagens e nos seus efeitos como estudo do comportamento das audiências. De facto, na generalidade os espectadores não são uma elite consumidora, nem uma massa abrupta, mas antes pessoas que elegem e vêem os mesmos tipos de programas que a maioria das pessoas, servidos nos horários que os programadores pensam ser os mais adequados. Isso significa que não há públicos mas apenas um público consumidor; ou seja os programas para audiências específicas são consumidos de forma dominante por audiências maioritárias. Nos mais diversos ensaios realizados por alguns autores, e que têm sido desenvolvido em relação ao comportamento dos espectadores, abundam aqueles que beneficiam a acumulação das audiências, como por exemplo chamado ‘efeito Jeopardi’, segundo o qual as pessoas quando têm que eleger entre programas semelhantes com graus de popularidade diferentes, não só elegem o primeiro e o mais famososo, como além disso assumem uma certa fidelidade a esse programa indepedentemente das suas variáveis socio-demográficas. Esta é uma questão que trás consigo profundas consequências na estratégia de comunicação, reforçando ainda a ideia de que os anunciantes se dirigem na televisão sobretudo a massas genéricas de telespectadores, e de que este meio efectivamente não é o mais adequado a objectivos muito específicos.
Outra questão são as transformações que se estão a operar nas audiências, com a crescente concorrência entre televisões generalistas e abertas, com o aparecimento dos canais temáticos, canais pagos, e as novas tecnologias de difusão que aí vêm, como a TDT, a Internet ou as novas plataformas de televisão. Os mais optimistas acreditam que o simples efeito de haver abundância de oferta e concorrência, a audiência média por individuo ou lugar vai estar única e exclusivamente relacionada com as tradições e a cultura de cada país. De forma que em mercados praticamente saturados em equipamentos, novas tecnologias e numa audiência potencial, vamos assistir a uma crescente fragmentação das audiências entre as várias plataformas e ao mesmo tempo a uma rápida diminuição das taxas de mercado captadas inclusive pelos programas de maior êxito do ranking. Tais modificações vão certamente influenciar radicalmente as tabelas de preços de publicidade e inevitavelmente influir nas receitas das estações de televisão, além de que a curto prazo vem facilitar os anunciantes cujas as campanhas exigiam uma planificação cada vez mais complexa e geralmente mais cara para alcançar os seus públicos-alvo. Isto é, vão ficar a ganhar reduzindo os custos e pelos mesmos GRP’s.
A necessidade ainda de proceder a estudos comparativos internacionais ou de analizar as possibilidades de cooperação televisiva em determinadas regiões de países, vai colocar em destaque, até que ponto existem ou não tendências comuns no estudo de audiências televisivas. Estas tendências ocultam, sem dúvida fortes diferenças de critérios e métodos de avaliação de país para país: ao nível da população estudada (+3 anos ou +6 anos), na definição e longitude do chamado prime time, no tempo mínimo exigido para registar um espectador num determinado momento, na inclusão ou não das audiências em períodos de férias, na contabilização daquilo que é visionado em DVD ou gravado em memória. Isto são tudo provas de que apesar de tudo, os mercados de televisão continuam a ter uma predominância nacional, pese embora a internacionalização de muitas estações e o crescimento de parcerias internacionais. No entanto, como quase todas as estratégias de negócio, actuar localmente ao nível das audiências continua a ser perfeitamente compatível com um pensamento, uma planificação e uma programação mais alargada e global.
JOSÉ VIEIRA MENDES
Pós-Graduação em Produção de Televisão/ISCSP
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