MOURINHO DA CULTURA

Monday, March 22, 2010

OS CINEMAS DO BAIRRO




As obras no Cinema Europa vão começar no início de Fevereiro, mantendo-se parte da fachada do edifício. E, ao que parece, a Câmara Municipal de Lisboa vai exercer o direito de opção de compra de parte do espaço para a criação de um equipamento cultural. Depois de tantos anos ao abandono, o símbolo de uma geração que cresceu e ainda vive em Campo de Ourique vai finalmente ter uma solução sensata e equilibrada também para os seus proprietários. Não é uma vitória de ninguém em especial mas de todos aqueles que vivem num dos bairros lisboetas com mais carisma cultural, e do qual todos nos orgulhamos. Mas esta decisão deve-se antes de mais a um notável mecanismo democrático inaugurado pela presidência de António Costa (e há que se lhe tirar o chapéu): o “Orçamento Participativo”. Um dispositivo que dá oportunidade a todos os munícipes de contribuírem de uma forma directa para melhorar a sua cidade. Os moradores de Campo de Ourique mostraram bem quanto são participativos, já que, para além da questão referente ao Cinema Europa, votaram ainda num equipamento para a Praça João Bosco (quiosque e parque infantil), no jardim até agora tão desprezado, mesmo em frente ao Colégio Oficinas de São José e ao (lindíssimo) ‘Père Lachaise” lisboeta, o Cemitério dos Prazeres – visitado por muitos turistas que aproveitam o passeio nos Eléctricos 25 e 28. O Cinema Paris, pelo contrário, continua a degradar-se de dia para dia e até dá arrepios passar à porta e ver na fachada do edifício uma tela muito feia: ‘A VERGONHA AINDA NÃO PASSOU POR AQUI!’
O Cinema Alvalade, localizado noutro carismático bairro da cidade, é um excelente exemplo de recuperação, principalmente ao nível do fluxo de público, que bem podia ser pensado e aplicado ao Paris e ao Europa. Porque Campo de Ourique merece estes dois cinemas e ainda existe espaço para outras programações cinéfilas, para além das do mainstream. No último Natal, com as salas dos multiplex de Lisboa repletas de público e com blockbusters em cartaz, recordei-me dos tempos áureos dos Cinema Europa e do Paris. Começaram por ser grandes salas de estreia, passaram depois a apresentar sessões de reprise (reposições), mas nunca perderam aquele estigma do ‘cinema do bairro’. Explicar às novas gerações o que é um cinema de reprise é quase o mesmo que falar-lhes do paleolítico. Na verdade, as grandes salas do eixo da Avenida da Liberdade (São Jorge, Tivoli, Condes, Éden) e outras da Baixa, que estavam quase sempre esgotadas com grandes estreias em cartaz (o último recurso era conseguir um bilhete na Agência Abep dos Restauradores), coexistiam com os cinemas de bairro, espalhados por toda a cidade. Eram os templos das memoráveis sessões duplas, das reposições, de filmes com uma vertente popular ou de arte e ensaio, sujeitos por vezes aos cortes da censura (lembram-se do grito «Ó marreco tem cuidado com a tesoura!!!»?). O chamado cinema de culto chegou muito mais tarde e é quase uma invenção pós-moderna, que culminou nesta eclosão dos festivais. Culto mesmo era ir ao cinema ver determinado filme e não apenas ir ao cinema. Vivia-se e sobrevivia-se no cinema. Entrava-se por vezes numa sala às três da tarde e saía-se às duas da manhã, depois de terminada a sessão da meia-noite. Namorava-se no escuro do cinema e havia até quem fizesse muito mais, sem que a moral pública se importasse muito com isso e impusesse multas ou restrições. O cinema era um mundo à parte ou uma forma de conhecer o mundo. Era um espectáculo acessível, tendo em conta o conhecimento que nos proporcionava em apenas uma sessão. Era a forma mais natural e filosófica de passar o tempo. Por isso, os cinemas de bairro representavam um refúgio para a nostalgia dos reformados em relação às suas épocas de ouro e a base da formação cinéfila e cultural das crianças e dos jovens. Para quem era um miúdo de bairro, ir ao cinema era uma festa, uma ida à Terra do Nunca, sem coca-cola nem pipocas ou sequer uma ida às compras ao centro comercial. Era mesmo ir ao Cinema!

José Vieira Mendes, jornalista

1 Comments:

Blogger leitanita said...

Olá Zé já não passava por aqui há uns tempos largos. Hoje lembrei-me e espreitei. Gostei de saber que o nosso Europa tem ainda alguma esperança de recuperação. Estive em Lisboa em Fevereiro e assustei-me por ver que a Churrascaria, as tintas e outras tantas coisas tinham mudado de sitio. Perguntei às minhas amigas da Garrafeira e disseram-me que iam haver obras. Habitação e quem sabe algo cultural. Espero que as tuas informações sejam verdadeiras. saudações Iscspianas desde Caracas! bjs :)

8:19 PM  

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