O ‘ESTADO’ DO CINEMA PORTUGUÊS
O Manifesto pelo Cinema Português (do qual fui subscritor) é mais uma resposta ao desconforto e ao panorama negativo da crise generalizada dos investimentos e mecanismos de apoio do Estado à Cultura. Produziram-se vários filmes portugueses nos últimos tempos, aliás, a maioria deles está nas selecções do IndieLisboa 2010. Um ano depois da Palma de Ouro de João Salaviza, apenas Manoel de Oliveira, (um dos mais rentáveis realizadores portugueses) com ‘O Estranho Caso de Angélica’, vai estar no Festival de Cannes, em Maio próximo. Não esquecer que Pedro Costa teve direito a edição de luxo dos seus filmes em DVD na famosa Criterion. No entanto, a Ministra da Cultura anunciou há dias, na sessão de abertura do IndieLisboa, uma revogação da Lei do Cinema para breve.
Já na anterior legislatura se perdeu uma oportunidade de alterar uma legislação que está desajustada, por já não responder às necessidades dos vários agentes envolvidos no cinema (produtores, criadores, distribuidores, exibidores, actores, autores, canais de televisão generalista e por cabo, etc.), e também não dá resposta aos novos modos de produção e distribuição de conteúdos audiovisuais. É verdade que as televisões, inclusive RTP (apesar de ser co-produtora da maioria dos filmes portugueses), dá mais importância ao futebol do que ao cinema; cumprindo com altos e baixos a sua missão de serviço público, no que diz respeito à ficção nacional. Prevalece um quase monopólio da Zon Lusomundo ao nível da distribuição e exibição. Um grupo que entretanto tem sido co-produtor de alguns filmes nacionais, mas que os tira de sala uma semana depois da estreia, porque não estão a ser rentáveis. Os programas europeus (nomeadamente o Media) têm dificuldade em se adaptar às estruturas dos produtores nacionais e estes aos programas europeus. O FICA-Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual foi um logro: não criou cinema comercial, nem conteúdos rentáveis. Quebrou as expectativas dos produtores de conteúdos, dos canais privados, criou dívidas e conflitos judiciais com alguns dos beneficiados. E não desenvolveu um tecido empresarial ao nível das produtoras, capaz de ser o núcleo para a criação de uma pequena indústria audiovisual. E o Estado não cumpriu com a sua parte na contribuição financeira para o FICA. O ICA-Instituto de Cinema e Audiovisual tem cada vez menos dinheiro para os seus apoios. Já que este é proveniente de uma percentagem das receitas da publicidade nos canais privados. Havendo redução nos investimentos publicitários, entra menos receitas para o ICA. Por isso, resume-se a um organismo sem política, que se limita a distribuir (através dos sempre polémicos concursos) os apoios à produção cinematográfica, e sem que estes sejam monitorizados convenientemente. Por último, os espectadores portugueses não estão habituados, na generalidade, a ir ao cinema para ver filmes falados em português. E, quando vão, sentem-se ludibriados pela falta de identificação com o seu quotidiano. Ou, quanto mais não seja, pelo chorrilho de palavrões inseridos nos diálogos que tentam forçadamente dar um ar mais naturalista às personagens e ao drama. É preciso repensar o número e a importância dos festivais de cinema nacionais, já que muitos servem apenas as pessoas do universo do cinema e passam despercebidos do grande público.
Se tudo isto se vem acentuando e evidenciando o clima de crise do sector, é verdade que a crise não se resume a problemas de financiamento do cinema português ou à exibição e distribuição dos filmes portugueses. É mais do que isso. Um dos grandes ‘calcanhares de Aquiles’ do cinema português é também a promoção e o marketing. Para além das grandes dificuldades que se colocam à internacionalização e às co-produções internacionais. Principalmente no espaço europeu, já que com os países africanos de expressão portuguesa e o Brazil, lá se vai fazendo alguma coisa. Salvo as óbvias diferenças, cerca de 50 % do orçamento dos filmes norte-americanos é destinado à promoção. Em Portugal, as verbas aplicadas na promoção de um filme são insignificantes e tornaram-se num jogo do empurra entre o produtor e o distribuidor. Paulo Branco, num processo que ia desde a produção à venda nos festivais e mercados internacionais dos filmes portugueses, perdeu o seu território. E era o único que sabia promover bem os seus filmes portugueses e europeus –pois em terra de cegos, quem tem olho é rei. Agora é a Zon Lusomundo a dominar não só o lançamento dos blockbusters norte-americanos, mas igualmente o circuito de distribuição e exibição dos filmes portugueses, com todos os benefícios e inconvenientes que daí advêm para os mesmos filmes. As campanhas de publicidade dos filmes independentes geralmente são quase improvisadas. Falta-lhes criatividade e utilizam-se os meios mais fáceis na grande incerteza, que são as datas de estreia dos filmes portugueses nas salas. Isto é só estreiam quando há um buraco na programação dos filmes americanos. A falta de investimento do cinema português em publicidade e marketing, reflecte-se nas imagens e nos materiais gráficos que os produtores proporcionam aos meios, para promover os seus filmes. As coisas têm melhorado com Internet, mas ainda falta muito para se conseguirem grandes resultados. E, por outro lado, há uma escassa contribuição para a criação de um star system e uma noção clara de que os trailers têm que ser bem feitos e eficazes, para cativarem o grande público. Os actores norte-americanos assumem que são a imagem de um filme e que ajudarem na promoção faz parte do seu trabalho. Em Portugal isto não é fácil porque os actores desdobram-se em muito trabalhos para sobreviverem. A maioria dos trailer dos filmes portugueses, realizados pelos próprios produtores em vez de especialistas, não ajudam de todo a levar espectadores às salas. Mesmo que se insinuem com cenas falsamente chocantes. Quanto à internacionalização e apoio à venda no estrangeiro dos filmes portugueses, o empenhamento do ICA é quase nulo. Limita-se aos stands na Berlinale e no Festival de Cannes em colaboração com a Associação de Produtores de Cinema. Seria mais útil estabelecer políticas eficazes de protecção e promoção internacional dos conteúdos audiovisuais nacionais. Talvez criando uma instituição independente que reúna membros de todos os sectores da actividade audiovisual, financiada pelos dinheiros públicos e por uma taxa sobre as bilheteiras de cinema, mas à margem do Governo – como acontece com a francesa Unifrance. Soluções imediatas não são fáceis, e discursos políticos de ocasião são dispensáveis. Há no entanto que aproveitar o ambiente de festa no IndieLisboa. As salas estão cheias, há grande apelo de público e dos profissionais (muitos estrangeiros), por isso este é um grande momento para reflectir e mudar algo neste ‘estado’ do cinema português.
José Vieira Mendes, jornalista
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