MOURINHO DA CULTURA

Monday, March 22, 2010

PONTES PARA ISTAMBUL




Ao falar de Istambul, ao partilhar esta emoção (a mesma que sinto ao ler os romances do Orhan Pamuk), surge-me de imediato a memória do cheiro a Lisboa nas ruas da cidade turca, misturando-se ao odor do kebab. Da parte alta da cidade antiga, de ruas estreitas como Alfama ou o Bairro Alto, vê-se as pontes, o rio, os barcos que parecem cacilheiros, os navios e os cargueiros a atracarem. E Istambul tem aquela luz branca muito parecida com a de Lisboa, realçada pelos minaretes das mesquitas e das abóbadas de azul rosáceo. O Instanbul Modern, um dos mais belos centros de arte contemporânea — e mais bem localizados da cidade, é de um requinte espantoso; o restaurante com esplanada tem uma vista esplendorosa para o Bósforo, muito idêntica à que se tem do Tejo a partir do CCB. Permanece a sensação de que há algo de tão perto e tão distante entre Lisboa e Istambul. Rezar nas mesquitas, encarar os olhos negros de algumas mulheres de véu, cruzar olhares na rua, discutir nas lojas com os vendedores do Grande Bazar e do Mercado de Especiarias, que me falam em turco como se eu fosse um deles. ‘Pontes Para Istambul’, é um regresso desejado a um bairro 'Istambul', dos mais tradicionais aos emergentes. É descobrir (ou relembrar) os cheiros do bazar das especiarias, os ambientes orientais e outras curiosidades, numa verdadeira viagem às margens musicais, literárias e culturais dos dois lados do Bósforo... e à cidade que assegura a união entre a Europa e a Ásia.
Este olhar em Lisboa sobre Istambul nasceu de uma entusiástica descoberta da obra literária do Orhan Pamuk. Da relação entre o cinema e a literatura e de um inconformado diálogo interior entre o concerto das artes e das culturas. Conhecia Ohran Pamuk apenas por ter ganho o Prémio Nobel da Literatura em 2006, até ter encontrado por acaso ‘A Cidadela Branca’, um conto das mil e uma noites, uma espécie de romance iniciático e encantatório da obra do escritor. O documentário ‘Crossing the Bridge - The Sound of Istanbul’ (2006), do germano-turco Fatih Akim — um dos melhores realizadores europeus da actualidade —, despertou-me para a magia dos sons de fusão da música turca actual; aliás, como todos os seus filmes e histórias, é filmado entre a Alemanha e a Turquia. O cineasta turco Nuri Blige Ceylan (‘Longínquo’, ‘Climas’, ‘Três Macacos’) é para mim, desde há algum tempo, uma referência cinéfila. É uma espécie de Rosselini dos nossos dias. Os ‘Poemas de Amor’, de Rumi e os ‘Poemas do Exílio e da Prisão’, de Nâzim Hikmet são livros de cabeceira ideais para quem gosta como eu de adormecer ao som das palavras da vida. Por último, tenho de referir as surpreendentes obras coreográficas de Aydin Teker e Mustafa Kaplan, que passaram por Lisboa através do Festival Alkantara. Numa escala de aeroporto comprei ‘Instambul – Memórias de uma Cidade’. Li-o de uma enfiada e revelou-se ser um guia poético da cidade onde nasceu (e vive uma boa parte do tempo) Pamuk, uma inspirada autobiografia e uma verdadeira obra-prima da literatura. Este livro foi o último impulso para uma primeira viagem, uma imersão na cultura turca e na intimidade da cidade do Corno de Ouro.

José Vieira Mendes, jornalista e consultor para a programação do Festival ‘Pontes para Istambul’

0 Comments:

Post a Comment

<< Home

Web Pages referring to this page
Link to this page and get a link back!