MOURINHO DA CULTURA

Monday, May 12, 2008

'GOODNIGHT IRENE': UMA QUESTÃO DE TEMPO


Deste lado do Atlântico há efectivamente bom cinema. Fujam aos preconceitos em relação ao cinema português e numa altura que de uma assentada estreiam três filmes portugueses nas salas (e ainda Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes, vai estar na Quinzena dos Realizadores em Cannes), por favor não percam uma pequena pérola da cinematografia nacional, chamada Goodnight Irene (tem curiosamente o título de uma popular canção norte-americana). Trata-se de uma primeira obra de um globetrotter chamado Paulo Marinou-Blanco que só por acaso é português e filmou Lisboa tão bem, que já não lembrava desde o tempo de A Cidade Branca, de Alain Tanner, já lá vão umas boas décadas. E como isso não bastasse, mostra o mais belo de Lisboa entre a Bica, o Bairro Alto e as vistas do Tejo, construíndo um extenso road movie entre o country quase plano de Portugal e Espanha, ambientes ideais para uma inspirada reflexão sobre a vida e a morte, sobre a causalidade e a passagem do tempo e sobretudo sobre as muitas formas de amar, entre as quais está incluída uma sóbria e saudável amizade entre três seres que nada têm em comum além de estarem pouco reconciliados com a vida. Que grandes são as personagens de Alex (interpretado pelo veterano inglês Robert Pugh) um solitário actor falhado, apaixonado pela cidade e as suas particularidades, ganhando a vida a traduzir audioguias de viagens ou a de Bruno, um jovem ladrão de memórias da vizinhança, ternamente personificado por Nuno Lopes. Irene (um excelento regresso de Rita Loureiro ao cinema, mesmo num pequeno papel-chave da história), é uma atraente e misteriosa pintora, que de repente desaparece para completar este triângulo obsessivo de ausências e solidão, que apesar de tudo possui uma paixão pela vida que falta aos outros. Não é o filme mais aguardado de sempre, nem sera finalmente o grande campeão do box office nacional. Não tem pretensões a isso. Goodnight Irene é um filme para quem procura uma história poética e sentida, certo para um serão de beleza, melancolia e gosto pela vida, que não pode passar despercebido, nem pela crítica, nem pelo público, pouco habituado a ver filmes portugueses, muito menos falados em inglês.

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