MOURINHO DA CULTURA

Friday, May 11, 2007

CANNES 2007: OS SALTOS DA GLÓRIA




O mais mítico dos festivais de cinema comemora os seus 60 anos entre 16 e 27 de Maio próximos, com o ‘glamour’, que nos habitou ao longo deste mais de meio século. Trata-se de uma grande festa para a indústria do cinema de todo o mundo e para todos os artistas que sonham pisar a passadeira vermelha do Palácio dos Festivais. Para os jornalistas é uma longa jornada de trabalho, de onze dias que começam muito cedo nas salas de cinema e só acaba às vezes a altas horas da madrugada. Mas quem corre por gosto não cansa…

Por José Vieira Mendes

Depois de Hollywood, Cannes! Para a indústria do cinema mundial há a fábrica dos sonhos do outro lado do Atlântico, e depois na Europa, Cannes! E é verdade, já que o Festival de Cannes -— só assim segundo a nova nomenclatura anunciada há dois anos, que se auto-referencia como o Festival dos Festivais- de Cinema do mundo -— funciona como uma grande montra para a abertura da nova temporada cinematográfica mundial.
O encerramento da saison, digamos, fez-se com a Cerimónia dos Oscar, realizada em finais de Fevereiro, que consagrou os filmes do ano anterior. Agora há que olhar para a frente e no horizonte está já nos finais de Agosto a Mostra do Lido de Veneza! Mas Veneza é diferente! Para quem anda nisto há uns anos, sente-se agora como que uma quebra de motivação e uma pausa, já que o panorama das estreias e lançamentos de filmes entre a Cerimónia dos Oscar e o Festival de Cannes nem sempre é o mais aliciante, com as distribuidoras a ‘despejar as prateleiras’. Talvez por isso, e é o nosso caso, o anúncio da programação de Cannes torna-se sempre um grande momento de euforia e excitação. De facto, por diversas razões Cannes tornou-se um evento incontornável para o jornalistas especializados e para os cinéfilos. E também, obviamente, na melhor rampa de lançamento dos filmes do ano e do ‘cinema do mundo’, quer seja na Selecção Oficial, quer seja nas Secções Paralelas: a experimental Un Certain Regard, a vanguardista Quinzena dos Realizadores ou a reveladora Semana da Crítica. A presença massiva dos meios de comunicação social mundiais — daqui de Portugal, vamos anualmente cerca de 10 jornalistas fazer a cobertura integral do segundo maior evento em número de participantes da press, logo a seguir aos Jogos Olímpicos —, a diversidade das propostas, a importância dos contactos e os negócios realizados, asseguram alguns factores determinantes para o desenvolvimento da indústria global de cinema: um reconhecimento artístico e a necessidade imprescindível de encontrar mercado para os filmes.
Também não é por acaso que outro dos grandes eventos paralelos ao Festival é precisamente o Mercado do Filme, que disponibiliza aos compradores um enorme catálogo de películas, algumas delas ainda em projecto ou em pré-produção, e na sua maioria fora do certame. Em Cannes há, de facto, como que a combinação perfeita entre a arte e a indústria por um lado, e por outro entre a crítica especializada (alguma bastante snob mesmo), o glamour e a futilidade das estrelas que circulam para promover os seus filmes, entre os hotéis de luxo, as entrevistas de imprensa e a passadeira vermelha. A tudo isto há ainda a acrescentar um clima mediterrâneo privilegiado no mês de Maio, com noites abafadas, restaurantes e esplanadas caríssimas apinhadas, e mulheres de sonho, que se passeiam na Croisette com vestidos curtos e generosos decotes, à espera de ‘caçar’ um produtor milionário que as tire do anonimato. Para os jornalistas elas nem olham! As cores ddo cartão de acreditação pendurado ao peito são por si só um estigma a qualquer aventura ou sonho! Nos últimos anos, o fantasma do terrorismo e da pirataria dos filmes tem pesado um pouco no ambiente, acentuando muito as medidas de segurança, principalmente à porta das salas de cinema e dos hotéis de luxo, que obrigam muitas vezes aos jornalistas a longas filas de espera à torreira do sol e a chegar mais cedo às sessões, a primeira por sinal logo às 8h30 da manhã. Em termos de informação, Cannes também consegue abarcar tudo e todos, desde as exigências dos media mais cinéfilos à espera de grandes novidades, surpresas e apostas quanto à Palma de Ouro, até às necessidades imediatas da chamada ‘imprensa cor-de-rosa’, sempre ávida de boas histórias e romance entre os ‘imortais’.
Naturalmente a cobertura do Festival pode ser feita de várias perspectivas, conforme o medium. Mas se para uns o evento é uma desgastante jornada, que é útil para um ano inteiro de trabalho e de decisões editoriais que consagra com o seu palmarés uma boa parte do chamado ‘olimpo cinematográfico’, acrescentando ainda algo à história do cinema dos últimos 60 anos, para outros são quase duas semanas de loucura festiva ou de veneração dos mitos cinematográficos, até nas entrevistas geralmente em grupos grandes e que mais parecem mini-conferências de imprensa. A escolha do programa por vezes é difícil e tentadora, entre assistir a cinco ou seis projecções por dia (legendadas em inglês ou faladas na língua original) se a cabeça e capacidade de concentração aguentarem ou ficar sentado na famosa esplanada do Hotel Carlton a ver passar as beldades, ou ir às festas quase diárias por onde passam, desde os guarda-costas espadaúdos às figuras mais decorativas do mundo do espectáculo. De facto, com o anoitecer começam as estreias de gala seguidas das festas. As produtoras que querem deslumbrar e aliciar os compradores e podem fazê-lo, organizam festas que nunca terminam antes da alvorada. Discotecas, iates, as praias privadas dos hotéis, as grandes ‘villas’ situadas na colina, acolhem os convidados altamente seleccionados em função dos interesses económicos ou promocionais. Às vezes, de facto não é dificil nem surpreendente tirar um fotografia ou mesmo meter conversa com uma estrela. Elas estão mesmo ali à mão de semear e normalmente numa festa estamos entre pares e famosos. O grande drama em Cannes é, sem dúvida, que durante estas quase duas semanas sem parar são-nos proporcionadas tantas alternativas e tentações que só de pensar nelas fica-se exausto e stressado, tornando a nossa escolha extremamente difícil. Nos últimos 60 anos do Festival de Cannes — na PREMIERE já o cobrimos há pelo menos oito — não há dúvidas, que o digam as nossa memórias, aconteceram coisas extrordinárias e passou por lá o melhor do cinema de todo o mundo, (estamos a falar de estrelas e filmes). E de facto, a cidade embora com um aspecto algo decadente, com excepção da famosa Croisette, e os seus arredores, como Montecarlo, Saint-Tropez ou Port des Antibes, simbolizam ainda para além da imagem do luxo absoluto e do savoir vivre da Riviera francesa, o grande sonho de todos os cinéfilos na Europa.

Wednesday, May 02, 2007

TERRENCE MALICK: UMA LENDA VIVA








O nome de Malick não é de forma nenhuma familiar, a não ser para os ‘cinéfilos pesados’, e para todos aqueles que fazem quase um culto a este realizador irreprenssível e controverso, que deixou já marcas na história do cinema. Vale pois a pena, fixar este nome: Terrence Malick! E de facto, não é por acaso que Terrence Malick é o único realizador da actualidade que João Bénard da Costa, não hesitou em programar dois filmes, um deles, O Novo Mundo (2006), — o outro A Barreira Invisível (1998) — que fecha, bem a propósito, o fabuloso ciclo Como O Cinema Era Belo. A fama de Malick, é de tal maneira indescrítivel, que as maiores estrelas de Hollywood, não deixam de filmar com ele, mesmo pequenos papéis e com um cachet muito abaixo do habitual. Por exemplo, George Clooney e John Travolta, que fizeram pequenas participações em A Barreira Invisível e Adrian Brody, que vê o seu personagem simplesmente ‘desaparecer’ na montagem final, confessam ter sido uma honra estar no casting do filme, que é para muitos o melhor filme ‘sobre a guerra’, de sempre. Para os actores mais consagrados, a sua participação, significa ter o prazer de trabalhar com este realizador sexagenário, que curiosamente só dirigiu quatro filmes em toda a sua carreira e que normalmente tem muitos problemas com os estúdios, pois demora muito mais que o tempo útil para acabar uma obra que nos deixa sempre ‘esmagados’ e a pensar.

UM ‘BICHO-DO-MATO’.
Além disso, Malick, é mesmo, no verdadeiro sentido da palavra, ‘um bicho-do-mato’, já que se recusa a dar entrevistas, odeia estar à frente das câmaras, ser fotografado, e tem uma especial devoção pela natureza no seu explendor. Há pois, pormenores na sua carreira (e na vida privada) que o tornaram num mito, e um mistério mal resolvido no cinema contemporâneo norte-americano, e ainda bem já que os seus filmes não são para todos e normalmente não resultam muito nas tabelas de bilheteira oficiais. Quando o seu penúltimo filme, A Barreira Invisível obteve seis nomeações para os Oscar 1999, — inclusive a de Melhor Filme e Melhor Realizador — , Malick não esteve presente na cerimónia da Academia. No fundo, em ecrã apareceu uma velha fotografia de Malick, datada de 1978, quando o realizador dirigia Os Dias do Paraíso, — Prémio de Realização no Festival de Cannes — que tinha curiosamente três jovens protagonistas Richard Gere, Sam Shepard e Broke Adams, que cruzavam o amor nos campos de trigo do interior da América. Na altura da apresentação dos produtores candidatos a Melhor Filme, a situação foi ainda mais caricata, quando para identificar o realizador foi mostrada uma fotografia das habituais cadeiras de lona, onde nas costas tinha simplesmente escrito: Malick.

UMA PERSONALIDADE MISTÉRIO
Terrence Malick nasceu em Waco no Texas, estudou filosofia em Harvard, foi repórter das revistas Life, New Yorker, e Newsweek e professor de Filosofia no M.I.T., antes de se tornar cineasta e produtor independente. As suas influências parecem pois estar relacionadas com a filosofia, primeiro com Wittgenstein, com os pintores realistas Hopper e Wyth, os documentários de Flaherty e o expressionismo de Murnau. O seu primeiro filme Badlands-Noivos Sangrentos, (1973), foi uma das estreias mais promissoras da história do cinema. Trata-se de um road movie ambientado nos anos 50, contando a história de um jovem casal em fuga, após um crime. Tinha como protagonistas Kit (Martin Sheen) e Holly (Sissy Spacek), e o realizador parece fugir à tentativa corrente do cinema de dar uma explicação linear e uma condenação imediata para o comportamento violento dos jovens fugitivos, e a sua ausência de valores morais. O filme concentra-se mais na sua solidão e alienação num mundo de valores que parecem querer contrariar. Em A Barreira Invisível, o seu terceiro filme, rodado em 1998, tem o grande mérito de abordar um tema da II Guerra Mundial, a batalha de Guadalcanal e dos soldados norte-americanos que nela participaram, através de um relato pessoal de um deles, numa perspectiva bastante mais interessante, do que os habituais filmes do género. Utililizando a voz-off, uma das caracteristicas dos filmes de Malick, vai relatadando a sangrenta batalha, e as reflexões internas dos personagens, com uma interacção visual entre soldados, nativos e um impressionante cenário natural, valorizadas por uma extraordinária direcção de fotografia. Mais uma vez Malick afasta-se do relato históricamente fiel, para se centrar num conceito filosófico e em Heidegger, outro dos seus filósofos favoritos e que defende a ideia de uma realidade moldada através da luta e do conflito.

UM FILÓSOFO DA IMAGEM
As personagens de A Barreira Invisível debatem-se com questões essenciais como ‘ de onde vem esta guerra? Donde vêm toda esta violência?’, não como uma justificação para os seus actos, mas antes por uma necessidade intríseca de todo o ser humano de se questionar, sobre algo e sobre a realidade. Com o mítico realizador estiveram mais uma vez um grupo actores de luxo, alguns deles fazendo quase de figurantes: Sean Penn, Nick Nolte, James Caviezel, John Cusack, Woody Harrelson, John C. Reilly, Ben Chaplin, entre outros.
Se Stanley Kubrick se tornou uma lenda pelo seu rigor e minúcia na suas opções estéticas e linguagem, Malick é um génio no improviso, já que é capaz de escolher um local de rodagem, um cenário, mudar um argumento no momento ou mesmo eliminar personagens na montagem final — como aconteceu em A Barreira Invisível —, guiado por uma intuição e um instinto para além do normal, que parece mesmo agradar aos grandes actores, pouco dados a alterações de última hora. Uma visão idealista da natureza e o choque de civilizações é o tema base do seu último filme que fecha com chave de ouro o ciclo Como o Cinema Era Belo, embora os filmes de Malick continuem e continuarão a ser certamente alguns dos mais belos da história do cinema.

A NATUREZA NO SEU EXPLENDOR
O Novo Mundo é um regresso ao tema que inspirou, Pocahontas (1995) o filme da Disney, que resume as aventuras dos primeiros colonos americanos e a sua relação com os indígenas, circunscrita à história de amor entre o capitão John Smith (Colin Farrel) e a jovem india (Qórianka Kilcher). O ‘filme operático’ foi rodado em formato 65 mm — não se utilizava desde Hamlet (1996), de Kenneth Branagh — o que significa que é uma obra com uma deslumbrante resolução nas imagens, planos-sequência espectaculares com uma iluminação natural e sem a utilização de luz artificial, demonstando mais uma vez uma apetência e uma devoção do realizador pela natureza vista como uma espécie de paraíso perdido que o homem incompreensivelmente vai alterarando a seu belo prazer e sem respeito pela sua essência. As figuras femininas dos seus filmes como que representam a pureza dessa natureza-mãe e por isso são sempre as mais castigadas por um final quase sempre trágico e demolidor. Apesar de toda a aparente improvisação, a linguagem cinematográfica e cada plano dos filmes de Malick representam quase um verdadeiro ensaio de filosofia das imagens. Resumindo, Terrence Malick é um realizador cujos os filmes podem ser caracterizados como constantes reavaliações da percepção corrente de conceitos cinematográficos como a imagem, o som, as personagens e a narrativa, suportados sempre por um olhar único onde a natureza desempenha um papel fundamental e crucial, iludindo qualquer tentativa de interpretação imediata, de uma obra visualmente e filosoficamente rica, que quase se assemelha ao 'espectáculo total'.

José Vieira Mendes

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