MOURINHO DA CULTURA

Monday, August 27, 2007

noite de sete noites

Noite de sete noites, onde estrelas
não as havia mais que as nossas mãos:
cegos de menos, víamos com elas
nossa rota das ondas, frutos sãos.

Cegos de menos, louca navegava
a boca, ou duas bocas, para o sono
do que se tinha, punha, queria, achava,
perdido e mais perfeito em abandono.

Éramos dois e um de muitos braços
lutando contra a luta, a respirar
numa praia de fogos e cansaços

entre os gritos das aves e do mar,
mansos de raiva, grandes mas escassos.
Noite de sete noites, verbo dar.

(Pedro Tamen, 1934, Portugal
in "Escrito de memória", Moraes Editores - 1973)

Tuesday, August 21, 2007

O amor é uma companhia

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Alberto Caeiro

Se tanto me dói que as coisas passem

Se tanto me dói que as coisas passem
Dói porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem

Sophia de Mello Breyner Andresen

Retrato de uma princesa desconhecida

Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos

Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino


Sophia de Mello Breyner Andresen

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