Desde
El Rey del Barrio, um filme da Idade de Ouro e das décadas de 30/40 que o cinema mexicano não vivia uma época tão profícua e de tanta euforia. Se o ano passado se produziram mais de 70 filmes, em 2008 espera-se que cheguem às 80 as produções que vão estrear nas salas e circular pelos festivais e mostras de cinema. Os ‘Três Amigos’ (
Guillermo del Toro,
Alfonso Cuarón, e
Alejandro González Iñárritu) são já uma espécie de Santíssima Trindade da indústria cinema mundial e os símbolos máximos de uma geração de cineastas que cresceu entre os pobres
mariachis e a Hollywood dos ricos. Fala-se agora de uma nova era ou de uma nova onda de filmes e cineastas capazes de devolver ao México um certo orgulho perdido, quer com um cinema mexicano popular por excelência, quer com um cinema mais autoral e que vem circulando pelos festivais internacionais de cinema. O
star system e a notoriedade internacional de actores como
Diego Luna e
Gael Garcia Bernal (outros dois amigos na realidade e a dupla de
E a Tua Mãe Também! de Cuarón, são sócios também de uma nova produtora de filmes) têm igualmente ajudado a construir uma nova faceta para o cinema mexicano. Bernal, que é uma das estrelas internacionais de
Blindenss, de Fernando Meirelles, até se estreou recentemente como realizador em
Déficit, um filme despretensioso, uma primeira obra, onde além dele, estão actores desconhecidos para contar a história de uma festa organizada numa grande mansão de campo, por dois irmãos ricos, confrontados pelas diferenças sociais dos empregados da casa.
É de certo modo verdade que o México é conhecido caricaturalmente no mundo pelas suas histórias de mortos-vivos (
Pedro Páramo, de
Juan Rulfo, aguarda o início de uma rodagem com participação portuguesa), mas também por uma grande tradição no cinema. Nesta altura, assistimos ao aparecimento de um punhado de bons filmes (contos rurais, dramas urbanos, tragicomédias e excelentes documentários) e de cineastas de eleição, mas ainda não é possível e apesar do número razoável de produções, falar de uma verdadeira indústria de cinema.
Everardo González, é um destes cineastas da nova geração que o ano passado estreou
Los Ladrones Viejos, um filme premiado no famoso e popular Festival de Guadalajara (a terceira cidade mais importante do México) recuperando as
leyendas del artegio, histórias dos delinquentes de rua dos anos 60, do populoso DF (Distrito Federal da cidade do México, a capital que coincide com o nome do País). Através dos seus testemunhos o filme aborda muitas das questões sociais vividas pelos mais pobres. Na Competição Oficial da Berlinale (e curiosamente também na Semana da Crítica em Cannes, onde ganhou o Prémio Revelação da FIPRESCI) passou uma pequena pérola intitulada
Lake Tahoe (Te Acuerdas de Lake Tahoe?), de
Fernando Eimbcke (
Temporada de Patos) que felizmente está comprado para Portugal, pela nova distribuidora Panthéon, e à espera de uma oportunidade de estrear nas salas.
Lake Tahoe foi rodado em muito poucos dias, com a câmara com que
Carlos Reygadas (outro cineasta que tem reivindicando um estatuto de autor na Europa, com filmes como
Batalha no Céu e
Japão), filmou o seu último
Luz Silenciosa (a história de adultério no seio dos Menonitas, apresentado em Cannes o ano passado), com um orçamento mínimo, actores não-profissionais, e com uma história de um adolescente um pouco perdido e à procura de algum afecto.
Lake Tahoe é um filme muito simples e minimalista, no entanto muito carregado de verdade e naturalismo da vida de um adormecido
pueblo do interior de México.
De facto, esta euforia deve-se em parte aos ‘Três Amigos’ ricos que ultrapassaram as fronteiras do Golfo, mas passa muito pelo espírito de entreajuda entre os vários jovens realizadores emergentes, cineastas/actores/produtores com muito sentido prático e pouco dinheiro, que sentem que o mais importante é fazer filmes. Eimbcke tem 37 anos, é um dos cineastas marcantes deste novo caminho que vai rompendo com os esquemas mais académicos de produção iniciado com um filme fundador e geracional:
E a Tua Mãe Também! de Alfonso Cuarón. Carlos Reygadas era um advogado e tinha uma promissora carreira como diplomata, mas optou pelo cinema (ou pelo cinema contra-corrente) e já é um autor reconhecido na Europa e nos EUA. Iñárritu é já de outro campeonato. Veio da publicidade e tornou-se um referência das histórias cruzadas, de
Amor Cão, passando por
21 Gramas, até
Babel, e quase sem querer é uma espécie de papa de uma certa tendência actual, a que muitos chamam a
babelização do cinema contemporâneo.
Quando se fala do novo cinema mexicano, além dos já referidos, é inevitável destacar cineastas como:
Amat Escalante (
Sangre) apresentou em Cannes
Los Bastardos, na secção
Un Certain Regard, (um filme produzido por Reygadas);
Gerardo Laranjo (
Drama/Mex) e
Rodrigo Plá, realizador de
La Zona, estreou
Desierto Adentro, são já mais do que revelações com histórias que giram quase sempre à volta dos mesmos temas (religião, ritos, pobreza, desenraizamento, violência).
Juan Carlos Martín conhecido pelo excelente documentário sobre o artista
Gabriel Orozco, estreou-se agora na ficção com
40 Días, um
road movie filmado entre o DF e Nova Iorque, com dinheiro do seu próprio bolso e com uma pequena equipa constituída por 18 pessoas. Algo que marca e acompanha uma nova tendência nos modos de produção cinematográfica. Trata-se de uma viagem num descapotável de estilo, de um casal acompanhados de um amigo
gay em profunda depressão, e ao que consta marcado por uma espantosa interpretação de
Andrés Almeida, actor e líder de um grupo de música electrónica, curiosamente num ‘filme filho’ de
E a tua Mãe Também! Há ainda, a aguardada estreia de
Rudo y Cursi, de
Carlos Cuarón (o irmão de Alfonso), de quem se esperam voos mais altos.
Num país com mais de 105 milhões de habitantes, o panorama do cinema mexicano não é nada mau, se tivermos em conta que em 2007 se produziram cerca de 74 longas-metragens. Em 2006 chegaram aos 62 filmes e 2008 promete ser ainda melhor em termos de produção cinematográfica. México, Argentina e Brasil, concentram cerca de 85 % do mercado audiovisual da América Latina. Ir ao cinema para os mexicanos é um luxo acessível apenas a cerca de 15% da população. Uma entrada custa cerca de 50 pesos(€ 3,14), os salários são baixos e uma grande maioria das pessoas vive no limiar da pobreza ou na precariedade de emprego. No entanto, Perisur, um complexo situado em plena cidade do México é a segunda sala que mais entradas de cinema vendem em todo o mundo. Só superada por uma outra grande sala em Bombaim, na Índia, centro da indústria de Bollywood. O cinema visto no México é mais ou menos igual ao que se vê no resto do mundo. Na maioria são filmes de Hollywood, que fazem mais receitas e espectadores do que os filmes nacionais e independentes. Nos finais da década de 90, o cinema mexicano tinha como que batido no fundo com a fuga de criadores (realizadores, técnicos e argumentistas, entre eles o famoso
Guillermo Arriaga), para Hollywood e para a Europa. No entanto, algo parece estar a mudar com esta onda positiva em grande medida assente nos apoios governamentais ao cinema: a existência de uma taxa de incentivos, conhecida por Artigo 266 e por um Fundo de Investimento e Estímulo ao Cinema, (curiosamente à semelhança de Portugal, uma para filmes de autor e o outro para os mais comerciais). Trata-se, de uma lei que proporciona incentivos fiscais às empresas que apoiam o cinema e ajudas substanciais às empresas produtoras de filmes.
Texto para apresentação da Mostra de Cinema Mexicano, a realizar em Lisboa no próximo mês de Julho. José Vieira Mendes
Jornalista e crítico de cinema