MOURINHO DA CULTURA

Sunday, October 28, 2007

OS MEUS PÉRIPLOS


CONSTANTINOPLA

"Um minuto... outro... já passei a ponta do Serralho... observo agora espaços imensos cheios de luz e de várias cores... contornei aquela forma de cabo, e... aqui está CONSTANTINOPLA! Constantinopla sem limites, soberba, sublime. Glória à criação e ao homem! Jamais sonhei tanta beleza!"

"Constantinopla é de dia a cidade mais bela da Europa, e de noite a cidade mais tenebrosa do mundo".

Edmondo de Amicis, 1883

INSTAMBUL

“Instambul não é uma cidade para não se viver um grande amor. O romantismo, a ânsia de sedução, a liberdade de ser seduzido, estas forças sempre latentes em mim mas que andavam anestesiadas pelas restrições asiáticas impostas ao poder de atracção do corpo feminino, despertam de rompante em Istambul. Será talvez pelo sol mediterrânico, ou pelo matraquear dos saltos altos na calçada, pelo perfume que fica no ar, pelas trocas de olhares com os olhos turcos, ou talvez porque Istambul, como Veneza, é uma cidade em simbiose com a água. Há qualquer coisa entre as cidades e a água que talvez seja muito semelhante ao amor. É uma química infalível. Uma espécie de carisma que envolve e amacia continuamente e que, aqui contamina o sorriso dos icons bizantinos, o canto dos muezines ao fim da tarde e o marulhar das ondas contra as pedras do cais.”

Gonçalo Cadilhe, 2004

Tuesday, October 23, 2007

Noche Oscura (Canciones del Alma)



En una noche oscura,
con ansias en amores inflamada,
! oh dichosa ventura!
Sali sin ser notada.
Estando ya mi casa sosegada


a oscuras y segura
por la secreta escala, disfrazada,
Ioh dichosa ventura!,
A oscuras y en celada,
Estando ya mi casa sosegada.


En la noche dichosa,
En secreto, que nadie me veia
Ni yo miraba cosa,
Sin otra luz y guia
Sino la que en el corazón ardia.


Aquésta me guiaba
Más cierto que la luz del mediodia
a donde me esperaba
quien yo bien ma sabia,
en parte donde nadie parecia.


I Oh noche que guaste!,
I oh noche amable más que la alborada,
Oh noche que juntaste
Amado con amada,
amada en el amado transformada!


En mi pecho florido
que entero para él solo se guardaba,
alli quedó dormido
y yo le regalaba,
y el ventalle de cedros aire daba.


El aire de la almena
Cuando yo sus cabellos esparcia,
Con su mano serena
En mi cuello heria
Y todos mis sentidos suspendia


Quedéme y olvidéme,
El rostro recliné sobre el amado,
Cesó todo y dejéme,
Dejando mi cuidado
Entre azucenas olvidado


Juan de la Cruz

Sunday, October 21, 2007

AS NOITES VENEZIANAS





Há uns anos Veneza à noite era uma cidade deserta. Agora parece respirar-se uma nova onda de animação e diversão nocturna, mesmo no Lido, onde as festas se resumiam aos relacionados com o lançamento dos filmes durante a Mostra de Veneza. Há quem defenda que esta nova vaga de animação nocturna deve-se à cada vez maior concorrência turística com outras cidades italianas e em particular do Roma Film Festival, que começa a afirmar-se no panorama dos festivais europeus. Mas os novos residentes de Veneza, gente jovem, artistas, arquitectos e universitários, que aí se instalaram parecem querer contrariar a ideia de que a La Sereníssima é uma cidade envelhecida, e criaram uma 'movida', que está para além do período dos eventos como a Mostra ou a Bienal de Artes. Tem-se vindo a desenvolver pouco a pouco, de há alguns anos para cá mesmo quando a cidade tem menos turistas, num inverno rigoroso em que as chuvadas e as cheias obrigam a usar as galochas para sair à noite.

VERÃO NA PRAIA: Durante o verão o grande mérito desta concorrida animação começou primeiro com o impulso do Circuito Off International Short Film Festival, que já vai na sua VIII edição e que se realiza mais ou menos coincidindo com a Mostra de Cinema. A sua localização é na ilha de San Servolo, onde é pouco provável encontrar-mos as estrelas de Hollywood, mas onde se respira também um ar cinéfilo, além de nos ser proporcionada uma programação alternativa que culmina numas famosas e loucas raves com DJ/VJ convidados e com festas que acabam de manhã. Até porque o regresso a Veneza, no vaporeto da Linha 20, a partir de uma certa horas é complicado e a navette gratuita, só para os acreditados no festival Circuito Off tem viagens e lotação limitadas. Em San Servolo as festas são informais, porque não são lançamentos de filmes ou cocktails party, mas antes um veículo de promoção e visibidade das curtas experimentais apresentadas a concurso. Acontece todos os dias qualquer coisa de diferente, dj set, concertos, projecção de videos experimentais e música electrónica. No Lido há também um amplo circuito de animação que vai do Bar Maleti (Gran Viale S.M. Elisabetta), Baxter Lounge Pagoda (Lungomare Marconi, 17), Quotamare (Rotunda da Gran Viale S.M. Elisabetta), Pachuka (Piazzale Ravá). O local mais in é agora o Nikki Beach, inspirado no famoso espaço de Miami, — e que tem um franchising espalhado por todo o mundo, inclusive no Algarve — e que durante os dez dias de festival, está sempre a ‘bombar’, tornando-se o epicentro da mundanidade e do glamour.

ROMANTISMO LOUNGE: Por outro lado é em Veneza que a oferta se começa a diversificar e a explorar a noite veneziana, começando pela Praça de San Marcos, seguindo depois o chamado Bacaro Tour, um percurso enogastronómico pelas 'osterie' da cidade e que são as verdadeiras ‘capelas’ dos amantes das tapas venezianas, muito semelhantes às tapas espanholas, regadas com um bom vinho tinto fresco naturalmente. Efectivamente para disfrutar o ambiente romântico de Veneza nada como a noite, isto é quando as luzes das janelas dos prédios, se reflectem nas águas negras dos canais. Apanha-se o Vaporetto da Linha nº1 que desliza pelo Grand Canal, olhando as gôndolas dormindo em fila, e desce-se na Praza de San Marcos. Quando as esplanadas para turista fecham, fica agora aberto só o Aurora, um clássico café com esplanada que se transformou numa éclética 'cocktaileria', sempre atenta ao mundo da arte e que fica mesmo ali no coração da cidade (Pc. de San Marcos, 49). A partir das 18h15 e até à 2h da manhã, são projectadas imagens originais por um videomaker, transformando o espaço da esplanada num lounge e criando uma atmosfera diferente. O ambiente é trendy e informal chic acompanhada por música electrónica misturada por dj’s de excelência. Depois de disfrutar o anoitecer seguimos em direcção à Ponte de Rialto, atravessando-a para lado norte onde vamos descobrir a zona de San Polo, o verdadeiro mundo da animação veneziana, com os seus bares e onde começa o Bacaro Tour, que terminar num jantar tardio nos vários restaurantes e pizzerias com esplanada no amplo Campo de Sta. Margarita, que até não são nada caros.

O BACARO TOUR: Este circuito de copos e tapas, está para Veneza como as tapas estão para Madrid ou Sevilha, se associarmos às ruas antigas e estreitas do bairro antigo sevilhano ou ainda animada noite madrilena. O modelo de consumo é idêntico, bebe-se rápido, de pé cá fora e nas ruas estreatas e anda-se de capelinha em capelinha. Para melhor conhecer este hábito tipicamente veneziano, há que conhecer primeiro três conceitos: ombra, cicheto e obviamente, bacaro. Ombra significa um copo meio cheio de vinho tinto ou branco. O nome deriva de um velho hábito dos comerciantes venezianos, que para manterem o vinho fresco o colocavam à sombra do campanário de San Marco; o chiceto veneziano é o equivalente à tapa espanhola: ovos com atum, azeitonas, salada de peixe e marisco, salada de mozzarella e peixe ou verduras fritas, salada de choco com tinta, calamares, etc. Obviamente, chiceto e ombra consomem-se em conjunto, mas há quem prefira também a cerveja ou o spriz, a acompanhar esta típica instituição e hábito veneziano: o Bacaro. A sua origem está nas osterie (tabernas) que eram frequentadas pelos apreciadores de vinho, e que o acompanhavam com um 'pasto' incompleto, antes do jantar. Hoje a palavra tem um âmbito mais alargado, tratando-se mais de um local de encontro para se conversar, conviver, tomar um copo e petiscar qualquer coisa antes do jantar, substituindo o 'primo piato' constituído geralmente por 'pasta'. O percurso do Bacaro Tour é casual informal e tem que ser obrigatoriamente feito a pé. Deve iniciar-se por volta das 18h-19h para dar tempo para o jantar e aproveitar tanto quanto possível a nightlife veneziana. O primeiro a encontrar-mos é o Postali junto ao Canal do Rio Marin. Andando através de San Polo vamos encontrar a Taverna da Baffo, para beber um copo na rua. Chegando à zona de Rialto há que entrar no histórico Do Mori que há entrada faz lembrar uma velha cantina. Nesta mesma zona vamos encontrar o primeiro o Al Marcá e o Muro que fica no Soportego de L' Erbaria as traseiras e a sede do Mercado da cidade virada para o Canal, depois mais ao lado sobre arcadas que dão para Sotoportego del Bancogiro, e com esplanadas também viradas para o Canal e pa L'Erbaria, estão, o Naranzaria, o Bancogiro e o Pesador, espaços para beber um copo mais refinado e até sentar na esplanada um pouco para disfrutar e descansar. Atravessando a ponte de Rialto para o outro lado, há que ir provar o bacalhau com natas do Botte, que fica numa rua muito estreita junto ao Campo de S. Bartolomeo e ali perto fica o Rusteghi onde a especialidade é provar umas fatias de salame. No caminho de San Lio depois da Ponte de Paste encontra-se o Portego, particularmente frequentado por estudantes, onde se come bem e barato, mas especialmente uns belissímos calamares fritos. A caminho da Strada Nova e já perto de Cà D'Oro vamos encontrar a famosa tratoria Vedova, conhecida pela sua cozinha típica veneziana. Prosseguindo o percurso chega-se à zona da Fondamenta della Misericordia, o centro da movida veneziana, agora muito frequentada e cheia de novos e outros históricos renovados locais de diversão como o Paradiso Perdido e o Timon. No Campo de Santa Margarita outra zona jovem da cidade vamos encontrar boa comida veneziana e boas pizzas no Franco e no Rosso. A tradição espanhola diz que numa noite deve-se passar pelo menos por 14 bares mas em Veneza e porque as ruas são escuras e há muitos canais, o melhor e mais seguro é mesmo ver até onde pode ir a nossa capacidade e prazer para disfrutar melhor uma noite bem romântica na La Sereníssima, sem cair a nenhum canal.

O HOMEM QUE DECORAVA OS LIVROS QUE AMAVA…




“Enquanto esperávamos a abordagem dos navios turcos, desci ao meu camarote. Pus as coisa em ordem, como se esperasse a visita de uns amigos, e não de inimigos que poderiam transtornar a minha existência. A seguir, abri o meu baú para tirar os livros, que percorri com um olhar distraído. Enquanto folheava uma obra que comprara a preço de ouro em Florença, vieram-me as lágrimas aos olhos. Ouvia o bramidos e as desenfreadas idas e vindas por cima da minha cabeça; pensava repetidamente que ia em breve ser obrigado a abandonar o livro que tinha na mão e, contudo, recusava a ideia; queria concentrar os pensamentos no que estava escrito naquelas páginas. Pensar que todo o meu passado — um passado que eu não queria perder — se encontrava nas reflexões, nas frases, nas equações que o compunham. Ao ler a meia voz frases ao acaso, como se murmurasse orações, queria gravar na memória o livro inteiro, para que quando eles chegassem eu não pensasse neles, nem nas injúrias que me iam infligir; não queria lembrar-me de mais nada senão das cores do meu passado, conforme nos lembramos toda a vida das palavras que nos tornaram caras num livro que decorámos de tanto o amar”.

In A Cidadela Branca, de Orhan Pamuk

Tuesday, October 09, 2007

(Nova) Entrevista com José Vieira Mendes




Depois de, há quase 2 anos, eu e o Miguel Baptista termos entrevistado o editor-chefe da PREMIERE portuguesa, na altura a celebrar o seu 6º ano de existência, tudo mudou entretanto, e Outubro conhecerá a última edição da PREMIERE portuguesa, seguindo o destino da sua congénere americana. Sempre fui um leitor assíduo da revista, desde o primeiro número, tendo-os todos devidamente arrumados e organizados no quarto. Mais do que discutir a qualidade da revista, interessava-me perceber como é que um projecto neste momento único no mercado em Portugal, deixou de ter espaço para existir, quando o seu próprio editor manifestava grande contentamento pelo crescimento da PREMIERE. Nada melhor, portanto, do que voltar a dar a palavra ao homem que deu início a tudo e agora viu, a um mês da celebração do 8º aniversário, o seu projecto chegar prematuramente ao fim (tal como anteriormente, a entrevista foi conduzida por e-mail e segue transcrita na íntegra).



Recordando por momentos o seu blog (Mourinho da Cultura), é caso para dizer que nem o maior treinador do mundo, nem a maior (quanto mais não seja porque única) revista de cinema portuguesa estão a salvo. E tal como os adeptos do Chelsea, também os cinéfilos portugueses ficam a perder. Como se explica o final repentino da PREMIERE?
Isto são várias perguntas ao mesmo tempo que merecem várias respostas. Antes de responder objectivamente à vossa pergunta sobre o final da PREMIERE, deixem-me falar um pouco da razão do blogue. Chama-se Mourinho da Cultura, porque sou um grande admirador do ‘estilo Mourinho’, ou seja de um espírito de liderança, combativo e empreendedor. Mesmo partindo muitas vezes de recursos escassos, há que atingir grandes objectivos. Foi o que aconteceu com a PREMIERE. É um estilo com o qual me identifico sem querer imitar ninguém, porque aliás trabalho numa área completamente diferente: a cultura e em particular o cinema. Uma área onde às vezes também fazia falta uma combinação de pragmatismo e bom senso, até porque estamos a trabalhar num mercado intelectual e que não envolve os milhões do futebol. Mas onde existem também muitos craques, por vezes substimados. Somos ainda, (eu e o Mourinho, claro) praticamente da mesma idade e da mesma geração de quarentões, que sofre dos mesmos males, como por exemplo uma profunda insatisfação em relação ao mundo que nos rodeia e uma necessidade absoluta de ganhar sempre. Não gosto de perder nem a feijões. Apesar de tudo acho que não perdi com a experiência de oito anos da PREMIERE. Acho que até saio vencedor e com necessidade de mudar. Sou também um grande adepto de futebol e do Chelsea (já assisti a um jogo em Stamford Bridge), que tem jogadores extraordinários, que não passaram de ‘belos a bestas’ só pela saída do Mourinho. É preciso ter cuidado, ser justo e não como os comentadores da SporTV, que no jogo com ManUnited, parecia que tinham mudado de clube. O blogue existe essencialmente para eu colocar algum material que não cabia na PREMIERE, temas de reflexão e estudo sobre cinema, televisão, media e cultura (que desenvolvi na minha pós-graduação) e, para partilhar algumas poesias que gosto muito e com as quais me identifico ou que refletem o meu estado de alma no momento em que as li. Leio muita poesia. Gosto muito de poesia. Normalmente aquele ritmo das palavras até me ajuda a adormecer e a exercitar o meu discurso oral e jornalístico.

Apesar de tudo o Mourinho, está mais que salvo! Quanto mais não seja com os milhões de euros de compensação que arrecadou e que lhe dão imensa liberdade para fazer o que bem lhe apetecer, ao passo que eu por a PREMIERE fechar, recebo uma pequena quantia para me aguentar que me dá apenas margem para lutar por outro projecto, obviamente na minha área de trabalho. Mas não posso esperar muito tempo porque tenho encargos, três filhas em idades escolares, e por isso tenho que ir à luta….à Mourinho. É evidente que os cinéfilos ficam a perder a PREMIERE era a única revista de cinema no mercado e abriu um buraco embora possa ser complementado por outras ‘plataformas’. Há mais de trinta anos que uma revista de cinema não se aguentava tanto tempo no mercado. Poderá haver outras razões, mas o final repentino da PREMIERE, explica-se essencialmente pelo facto de a Hachette Filipacchi (agora Lagardère Global Media), sair de Portugal, vender os dois títulos mais apetecíveis à RBA Editores (Elle e Ragazza) e a PREMIERE que servia um nicho de mercado correspondente a uma circulação de 18.000 exemplares e quase 16.000 vendas, acham que não é rentável para os objectivos da companhia. Isto até me faz ‘doer o coração’, quando consultei ontem os dados da APCT, relativos ao ultimo trimestre e vi publicações generalistas e económicas a cairem de vendas e abaixo da linha de água, comparado com a PREMIERE que é uma revista especializada. É dificil pensar que só ao fim de oito anos de publicação é que deram conta de que a PREMIERE não dava lucro, mesmo que fosse integrada numa estratégia de grupo editorial. Enfim que dizer, haverá outras razões mas não quero, nem gosto de entrar em especulações…

Já existiam indícios que levassem a suspeitar deste desfecho, como por exemplo o fecho da versão americana impressa?
O fecho da PREMIERE (EUA), reflectiu dalgum modo essa pouca apetência e a estratégia actual da companhia para os nichos de mercado e para as publicações em papel. A edição online da PREMIERE (EUA), mantêm-se muito activa. De qualquer modo e sem adeantar muito não se esperam boas notícias da PREMIERE (França), a da edição-mãe e até de outras edições do grupo. Veremos! Na altura do fecho da PREMIERE (EUA), em Maio, defendi a minha dama se se recordam num editorial, para acalmar os rumores e incentivar os anunciantes. Até recebi os parabéns da minha Directora Geral. Portanto confesso que não estava à espera deste desfecho, embora dado o ambiente geral de fusões e movimentações em termos de grupos editoriais, até já tivesse pensado na hipótese de sermos vendidos a outro grupo o que acabou por acontecer. Só que a PREMIERE, talvez não tivesse sido valorizada o suficiente para se tornar apetecível e por isso ficou fora do pacote. O mercado online também ainda não tem expressão suficiente em Portugal, para gerar receitas publicitárias. Agora estamos a passar por esta loucura das publicações gratuitas, que é quase uma espécie de autofagia dos proprios grupos editoriais. A imprensa escrita parece curiosamente estar a como que a suicidar-se.

Terão a proliferação de informação na Internet, os blogs e tudo o resto afectado directamente a qualidade e as vendas de projectos como a PREMIERE? Acha que o futuro deste tipo de projectos tente para publicações digitais?
O futuro creio eu, está na diversidade de oferta a nível das várias plataformas (inclusive as audiovisuais), conciliando em primeira instância, o papel com a internet. Mesmo em termos ambientais hoje já existe a reciclagem e não é necessário abater mais árvores. Tenho a certeza que não é uma questão de concorrência entre o papel e o digital, mas uma questão de coexistência. Há é que talvez repensar todo o negócio da edição e produção de informação seja ela de cinema ou outra qualquer.

Depois de todos estes números, está de consciência tranquila relativamente ao trabalho feito? Como reage a certos comentários de que a PREMIERE estava a perder alguma qualidade nos últimos tempos?
Estou absolutamente de consciência tranquila. A PREMIERE era a revista possível de se fazer, tendo em conta as condicionantes internas e as de mercado. Como no Chelsea….não é possivel fazer omoletes sem ovos…. Não concordo obviamente que a PREMIERE estivesse a perder qualidade nos últimos tempos. Isto porque foi introduzido sangue novo e muita criatividade de novos jornalistas que começaram a ler a PREMIERE ainda adolescentes e por mérito próprio, isto é mandaram trabalho para a redacção, passaram de meros leitores a colaboradores: Nuno Antunes, Basílio Martins, Bruno Ramos, David Mariano, Francisco Silva, Sérgio Dias Branco, Bernardo Sena, Tiago Pimentel. Marco Oliveira. Lançámos novos valores da escrita sobre cinema. Em linguagem de marketing tentamos com isso aproximarmo-nos mais do nosso público-alvo, conciliando a juventude com a expêriencia de outros colaboradores já veteranos e conhecidos. Mas é sempre difícil agradar a gregos e a troianos. E não basta dizer que a PREMIERE perdeu qualidade…é preciso dizer porquê….sempre respondi a todas as críticas e emails que me enviavam e as vezes até perdia demasiado tempo com isso….por falar em criatividade vejam como a revista era complementada por um excelente blogue: premiere-portugal.blogspot.com

De que mais se orgulha de ter conquistado ao longo do percurso da revista?
Orgulho-me principalmente da fidelidade dos leitores da PREMIERE. E dos muitos comentários feitos no blogue pelos leitores quando foi anunciada a descontinuidade da PREMIERE. Fiquei muito emocionado com certos comentários e isso fez-me muito bem em termos de auto-confiança, numa altura obviamente crítica da minha vida profissional.

E acha que ficou algo por concretizar?
Ficou por concretizar a tal estratégia multiplataforma (revista+internet+radio+televisão), que eu andava planear. Fiz uma pós-graduação em Produção de Televisão no ISCSP, na minha universidade, para alargar o meu campo de conhecimentos e desenvolver projectos nessa área. Gostava muito de fazer um bom programa de televisão sobre cinema…

E agora a inevitável pergunta: projectos para futuro?
Projectos tenho muitos…mal de mim se não os tivesse. E se não os concretizei com a PREMIERE, vou concretizá-los de outra forma qualquer porque sou teimoso e determinado e não tenho feito para ficar sentado à espera que me batam à porta ou do fundo desemprego. Ando desde que fechamos a última edição a mexer-me e a fazer contactos….quando houver novidades digo…pode ser?

Aqui estão as palavras de José Vieira Mendes, certamente as últimas que aqui nos deixou enquanto editor da PREMIERE. Pessoalmente, fico então à espera de novidades, e que elas digam respeito a esse programa de televisão que em minha opinião faz também muita falta ao panorama televisivo português. Para finalizar, nunca é demais realçar a extrema simpatia e cortesia de José Vieira Mendes, sempre disponível para as respostas e para contribuir com o que quer que fosse, e agradecer estes quase 8 anos de tentativa de fazer chegar, mensalmente, o cinema às bancas nacionais. Aqui fica, cortesia do mesmo, a última capa da PREMIERE...



Paulo Costa

MICHELANGELO ANTONIONI (1912-2007)




IDENTIFICAÇÃO DE UM CINEASTA

Michelangelo Antonioni faleceu a 30 de Julho deste ano na sua casa de Roma tinha 94 anos de idade e deixou-nos, por triste coincidência, cerca de doze horas depois de outro mestre: Ingmar Bergman. Foi um dia fatídico que deixou a cinefilia duplamente enlutada e mais pobre nas suas referências. Foram-se os homens ficam as obras e os mitos. Antonioni nasceu em Ferrara (Itália) a 29 de Setembro de 1912 e foi, a par com Rosselini, uma das figuras mais controversas da história do cinema italiano, cinema esse que viveu a sua época dourada na década de 60, num tempo que coincide com o apogeu do realizador e dos seu filmes mais emblemáticos. Foi precisamente com Roberto Rosselini com quem Antonioni começou a trabalhar como argumentista no filme de propaganda fascista Un Pilota Ritorna (1941), sobre a aviação do Duce. Antes disso escrevia críticas de cinema. Estreou-se como realizador com Escândalo de Amor, em 1953, uma história de adultério revelando a bela Lucía Bosé, uma das suas musas. Mas a sua consagração internacional obteve-a em 1960 no Festival de Cannes, onde apresentou o controverso, A Aventura, entre aplausos e apupos, para uma enigmática história de amor e fuga. Seguiram-se os dois filmes que completam uma trilogia, intitulados, A Noite (1960) sobre um casal em crise, O Eclipse (1961), com Mónica Vitti, (a actriz que mais intimamente ficará ligada sua vida e obra) perdida numa Roma fantasmagórica. Na continuidade, estreou Deserto Vermelho (1964) o seu primeiro filme a cores, uma profunda reflexão sobre o homem e a industrialização.
Em 1966, realizou Blow-Up-História de um Fotógrafo, talvez o seu filme mais popular e comercial, baseado num famoso romance de Julio Cortázar, onde propôs, essencialmente, uma extraordinária reflexão sobre a manipulação das imagens fotográficas e a sua interpretação. Na mesma linha situava-se o seu filme seguinte Zabriskie Point (1969) – Deserto de Almas, a sua experiência norte-americana, que é um road movie, onde novamente procura combinar pretensões metalinguísticas com uma visão marcadamente comercial. Pouco a pouco começou a decrescer o interesse pela obra de Antonioni, embora este continuasse febrilmente activo na sua militância cinematográfica, primeiro com o thriller jornalístico Profissão: Repórter (1975) um filme sobre a troca de identidade, famoso pelo seu plano sequência final. Segue-se Mistério de Oberwald (1981), uma curiosa experimentação no dominio do vídeo, pioneira da tecnologia de alta definição, sobre uma obra clássica de Jean Cocteau, além do notável drama de Identificação de uma Mulher (1982), que muitos veêm como uma obra menor e vagamente autobiográfica. A sua última longa-metragem, Para Além da Nuvens (1995) foi já co-dirigida por Wim Wenders, com Antonioni marcado pela incapacidade física. Verdadeiramente, o último filme assinado pelo veterano realizador foi Il Filo Pereicoloso delle Cose, uma curta-metragem incluída na obra colectiva Eros, apresentada em 2004 na Mostra Cinematográfica de Veneza. Desde os seus primeiros filmes que Antonioni pareceu preocupar-se com os males da sociedade e com um certo sentimento de incomunicabilidade entre as pessoas. Talvez por isso os seus filmes estejam pejados de silêncios e fossem construidos de uma forma complexa de modo a captar desesperadamente um certo vazio existencial da burguesia, e da época, ao mesmo tempo que causavam um forte impacto social e ideológico. Se Antonioni, mais pela doença, já não tivesse o prestígio e a aura mítica que teve nos anos 60, não deixa de ser importante fazer uma revisitação da sua obra e em particular de Profissão: Repórter, com Jack Nicholson, num dos mais brilhantes papéis da sua carreira. Trata-se de um filme que mais do que nunca encaixa nesta edição do Festival Internacional de Cinema do Funchal, pois pode revelar aos espectadores profundas surpresas e uma estranha actualidade, além de no plano pedagógico e cinéfilo ser uma das grandes chaves para a compreensão do cinema mundial das últimas décadas.

José Vieira Mendes

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